Muito bem galerinha, vamos continuar com mais uma parte dessa lição tão importante para nossas queridas e queridos nerds escritores.


Objetivo, Empatia, Discurso

Parabéns, você escreveu seu texto e ele te faz muito bem. Expôs suas ideias e agora você quer compartilhá-las. Seu amigão, aquele que sempre lê seus escritos, começa a fazer perguntas sobre os trechos que ele não entende muito bem e que, pelo menos para você, estavam claros como água. Não se decepcione. Agradeça a seu amigo a sinceridade das observações, elas são muito úteis.

Embora escrever seja uma das mais solitárias atividades humanas, ela tem a sua via de retorno: ler.
Imagine sua história como uma estrada. Não necessariamente você tem que saber o início, o meio, o fim, ponha-se a construí-la no ponto em que sua inspiração pedir. Teve uma boa ideia, escreve-a, depois a encaixe dentro do percurso, preencher o antes e o depois é o trabalho do escritor.

O livro é um caminho que leva o leitor pela imaginação do autor: não pode ser muito tortuoso, cheio de pedras, levar a lugar nenhum ou ser muito cansativo.

Objetivo:

O que você pretende contar nesta parte da sua história? Está claro o que você quis dizer? Ela se encaixa no contexto do livro, ou seja, tem as mesmas cores dramáticas. (Equilíbrio e Fluidez estarão em outro post)
A poesia tem uma linguagem mais hermética, cheia de simbolismos. A prosa por seu lado é menos simbólica e mais direta no seu discurso. O que você quer escrever – prosa ou poesia? Se for prosa, seja claro no que quer dizer, preciso.
"Trate-me por Ishmael. Há alguns anos não importa quantos ao certo, tendo pouco ou nenhum dinheiro no bolso, e nada em especial que me interessasse em terra firme, pensei em navegar um pouco e visitar o mundo das águas. É o meu jeito de afastar a melancolia e regular a circulação. Sempre que começo a ficar rabugento; sempre que há um novembro úmido e chuvoso em minha alma;"   Moby Dick – Melville
Um caminho não prescinde de atalhos. Os atalhos dão colorido à história, às vezes levam a uma situação ou contexto paralelo. Enriquecem a imaginação com detalhes. Só não esqueça dos objetivos.
‘No dedo médio da destra, havia um anel feito em forma de espiral, ao qual estavam engastados um rubi perfeito, um diamante pontudo e uma esmeralda de valor inestimável. Pois Hans Carvel, grande lapidário do rei de Melinda, calculava o seu preço em sessenta e nove milhões e oitocentos e noventa e quatro mil e dezoito carneiros com toda a sua lã; a mesma avaliação foi feita pelo Fourques de Ausburgo” – Gargantua e Pantagruel – Rabelais – século XVI.
Esta descrição de um anel fecha o capítulo que descreve as vestimentas do gigante Gargantua, o exagero é próprio do contexto do livro, que tem como objetivo descrever com ironia os costumes dos ricos e poderosos da época.

Empatia:

Não existe uma boa história em que os personagens principais e secundários não desempenhem seus papéis, podem trocar de lugar num determinado ponto, os secundários por capricho da história tomam uma posição de destaque. É difícil encontrar a empatia do leito se assim não o for. O leitor se vê nos personagens e precisa deles para se guiar pela história.
A personalidade dos personagens deve ser definida antes de escrever, se isto não aconteceu - seu personagem já está vivendo - pense na personalidade que você deu a ele e releia seu texto veja se as falas e soluções das situações estão de acordo com o caráter do ator. Refaça se necessário.
“K. mal dava atenção a esse discurso; não considerava muito elevado o direito de dispor sobre suas coisas, direito que ele talvez ainda possuísse, e parecia-lhe importante adquirir clareza acerca de sua situação; mas na presença daquelas pessoas ele nem sequer foi capaz de refletir, pois a barriga do segundo vigia – só podiam ser vigias – sempre voltava a bater nele de uma maneira que só poderia ser caracterizada como amistosa: porém quando ele levantou os olhos, vislumbrou um rosto seco e ossudo, ...” – O Processo – F. Kafka
K. é um típico egocêntrico.

Discurso:

Há escritores que são mais afeitos às descrições, outros ao diálogo. Muitos se juntam para produzir um texto, não é incomum em filmes você encontrar o nome de dois ou mais roteiristas. Há até os especialistas em diálogo. Eu gosto do diálogo, prefiro o diálogo às longas descrições. Mas descrever determina o ritmo da história e a localiza dentro do caminho que ela segue.
Proponho que faça alguns exercícios; descrevendo o que vê em detalhes quando imagina uma história – não precisa usar se não quiser. Observe a conversa das pessoas, seus trejeitos e pontos de vista. Quem disse que ouvir aquela sua vizinha preconceituosa não tem proveito algum?
“Dublin
Deasy – Guarde minhas palavras senhor Dédalus. A Inglaterra está nas mãos dos Judeus...
Stephen – Mercador é quem compra barato e vende caro, seja judeu ou cristão, não é?
Deasy – Eles pecaram contra a luz. E o senhor pode ver a escuridão em seus olhos. E é por isso que eles são errantes sobre a terra até os dias de hoje.
Nos degraus da bolsa de Paris homens auribrunidos leiloando cotações... Vã paciência de empilhar e entesourar. O tempo seguramente dispersaria tudo. Tesouro acumulado à margem do caminho: pilhado e pisoteado. Seus olhos sabiam dos anos vagabundos e, pacientes, sabiam das desonras da carne.
Stephen – E quem não pecou?” -  Ulisses – James Joyce
Recomendo alguns livros aos escritores iniciantes:

Comunicação em Prosa Moderna – Othon M. Bastos – é um livro de consulta, um pouco metódico, mas extremamente útil. (No site da Estante Virtual tem usados bem baratos)
Da Criação ao Roteiro – Doc Comparato – não só para quem quer escreve roteiros, o livro trás capítulos e temas recorrentes nos livros atuais – conflito, ação dramática, tempo dramático etc.
Exercício: Observe este texto fictício e assinale os “7” erros.
“Arhrmeinthalr nasceu muito pequena para sua idade, mas era só o dragão abaixar a sua cabeça que ela pulava em suas costas afiadas e montava-o, controlando-o pelas rédeas. Não importava que, Durhgirthan, o dragão, tivesse quase trinta metros de altura. Ela o fazia soprar do fundo de sua garganta ‘fumacenta’ sob o muro de pedra.”
Não, não são erros de português!
Resposta
- Nasceu pequena para sua idade?!
- Quem abaixava a cabeça? O dragão ou a menina?
- As costas do dragão eram afiadas por quem? E como ela subiu no dragão e não se machucou?
- Trinta metros de altura? Que altura tinha a menina então? Ela não era pequena?
- O dragão era fumante, com certeza.
- Os dois estavam enterrados embaixo (num calabouço!?) de um castelo e o dragão tentava derrubar o muro debaixo para cima com fumaça!?
- O sétimo fica com vocês...




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