segunda-feira, 2 de setembro de 2013

Nove Dragões - A Lenda de Nogard

Capítulo 1 – Lanças e Folhas

  
   Ele sabia que era noite, mais porque os ferreiros não batiam mais seus malhos, as cabras já estavam em seus cercados e a taverna soltava fumaça do que pelos céus em si, os dias andavam mais curtos ultimamente, era quase impossível distinguir algum momento entre o meio-dia e o anoitecer, e para uma criança isso era uma mera condição do tempo. Nogard era um garoto grande para sua idade, tinha cabelos curtos e negros, vestia uma capa e um colete tão surrados quanto podiam estar antes de rasgarem por completo, e carregava dois elmos, algo estranho para uma criança carregar com tanta pressa. Nogard passou pelas ruas estreitas perto da Taverna do Velho Lumber-meio-nariz, caminhava com dificuldade pois os dois elmos que carregava eram muito maiores do que ele achava que fossem, tropeçou umas três vezes antes de colocar um deles na cabeça, o chão ainda estava meio barrento pelas chuvas, empata-ferros Merlon as chamava, isso porque os ferreiros da província de Ferro Forte odiavam a chuva. Dizia-se em Ferro Forte que enquanto chovia espíritos das águas enchiam os ares com sua presença e enfraqueciam as espadas, fazer uma boa espada durante um temporal era tão raro quanto ver um Dragão. Quando passou pela taverna já estava ralado, cansado e enlameado, Arwen você me paga, por que eu tenho que buscar isso? Se Merlon me pega estou frito.
  Nogard tinha dez anos, nascera durante a Ultima Grande Guerra, mas não era um Guerreiro por Nascença, esse prestigio era conferido apenas aos guerreiros de Pontas de Lanças, sua mãe era uma costureira de Chifre do Dragão e seu pai um Ferreiro de Ferro Forte, durante a batalha, após a debandada dos Dragões, todas as mulheres foram enviadas para o norte, para ficarem em segurança na cidade de Elmo de Gelo, foi ali que ele nasceu, a vários dias da batalha, portanto não era agraciado pelo Nascimento da Batalha. Sua mãe veio para Ferro Forte quando ele tinha dois anos e infelizmente veio viúva. Nogard não conhecia nada alem dos campos, das muralhas de Pescoço dos Homens e do Rio de Ferro, as histórias que o decadente Merlon lhe contava eram a única informação sobre a história de todo o reino de Andor, e isso às escondidas da sua mãe. Serena abominava a guerra e todas as peças que a vila produzia para o reino, a guerra tinha levado aquilo que era mais precioso para ela e ela não deixaria isso ocorrer novamente.
  Nogard chegou ao limite da vila, a fumaça da Taverna ainda estava muito volumosa, o que queria dizer que não era muito tarde. Havia um bosque de onde os ferreiros buscavam lenha e ele entrou em meio a tropeções e choramingos. Nogard conhecia bem aquele bosque, buscava lenha ali por muitas vezes durante o dia, era o ajudante do ferreiro mais velho e pobre de toda Ferro Forte, Merlon. Caminhou até uma clareira rodeada por longos pinheiro e então viu sua adversária, estava sentada sobre uma pedra coberta de musgo embaixo de uma árvore tão volumosa que podia-se dormir em seu tronco, tinha os joelhos próximos ao queixo com uma cara que revelava a sua impaciência  e estava mexendo algumas folhas secas com um galho quando o viu se aproximar.
  - Nossa, pensei que não vinha mais, você demorou tanto que quase comecei sem você  – disse Arwen emburrada saltando da pedra e caminhando em direção a um saco que Nogard não tinha visto até então.
  Pelos dragões, ela trouxe aquilo tudo?
  - Arwen estava pensando melhor e acho que não devemos fazer isso. – disse Nogard coçando a cabeça.
  - Do que esta falando Nog? Planejamos isso a dias, estou com muita energia e alem de tudo devolveremos isso ao velho Merlon antes de ele terminar sua caneca de cerveja. – disse Arwen fuçando no saco sujo.
  Nogard era mais novo que Arwen dois anos e isso em nada o agradava. Ele queria parecer um homem feito e não fazer aquilo naquela noite parecia ser uma atitude bem adulta.
  - Mas eu conheço ele Arwen, ele sabe tudo o que tem ali, cada elmo cada espada...
  - Lanças. – disse Arwen.
  - O que você quer dizer com...
  - Lança! – gritou Arwen e arremessou uma lança de madeira e ferro aos pés de Nogard.
  Invadir a fundição de Merlon e roubar seus itens já era problema o bastante para Nogard, mas ver os desenhos nas laminas das lanças e reconhecer que eram as encomendas do Lord Grum, senhor de Pontas de Lanças foi assustador.
  - Espere Arwen, você não entende, essas lanças são...
  Seus choramingos foram interrompidos pela primeira estocada de Arwen, Nogard rolou por baixo da lança e pegou a sua, não era a primeira vez que faziam treinos de lanças, apesar de que lanças de galhos com laminas de folhas não eram a mesma coisa que as grandes lanças dos Guerreiros por Nascença, e ele percebeu isso no momento em que pegou a lança.
  - Ei, isso esta pesado demais, não consigo nem levanta-la. – disse tentando equilibrar a lança com a maior firmeza possível.
  Arwen já estava com um sorriso que Nogard sabia ser de brincadeira.
  - Não acredito que vai fugir, ainda mais lutando contra uma garota, por acaso é alguma espécie de Covarde Alado? – disse Arwen referindo-se ao nome pelo qual os Dragões de Andor eram conhecidos.
  - Em primeiro lugar os Dragões não são covardes, Merlon me disse que eles tiveram um motivo para não lutar, um motivo que os homens não entendem – disse sorrindo e colocando o enorme elmo na cabeça -, e em segundo lugar, não fujo de meninas.
  Começaram a lutar, lutar era um pouco demais para uma menina de doze anos e um garotinho com dez, os risinhos e os choramingos faziam mais barulho do que as lanças, os elmos, e os escudos de folhas. Arwen golpeou os pés de Nogard mas ele deu um pequeno salto e escapou do golpe, correu de encontro a amiga tentando abarroa-la com o escudo afim de desequilibrar a garota com a lança pesada e o elmo grande demais, a manobra funcionou mas ele perdeu seu escudo, caíram rindo sobre o macio musgo da pedra, uma chuva de folhas que outrora foram o escudo de Nogard caiam sobre eles, e a lança perfurou a árvore tão rapidamente que fez ela vibrar tão forte que mais folhas caíram sobre eles, Nogard não sabia o que o espantava mais, o fato da lança arremessada ter balançado uma arvore tão grande ou o fato do velho Merlon estar parado ao lado do saco de equipamentos com sua caneca de cerveja na mão e cara de poucos amigos.


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