Ele sabia que era
noite, mais porque os ferreiros não batiam mais seus malhos, as cabras já
estavam em seus cercados e a taverna soltava fumaça do que pelos céus em si, os
dias andavam mais curtos ultimamente, era quase impossível distinguir algum
momento entre o meio-dia e o anoitecer, e para uma criança isso era uma mera
condição do tempo. Nogard era um garoto grande para sua idade, tinha cabelos
curtos e negros, vestia uma capa e um colete tão surrados quanto podiam estar
antes de rasgarem por completo, e carregava dois elmos, algo estranho para uma
criança carregar com tanta pressa. Nogard passou pelas ruas estreitas perto da
Taverna do Velho Lumber-meio-nariz, caminhava com dificuldade pois os dois
elmos que carregava eram muito maiores do que ele achava que fossem, tropeçou
umas três vezes antes de colocar um deles na cabeça, o chão ainda estava meio
barrento pelas chuvas, empata-ferros Merlon as chamava, isso porque os
ferreiros da província de Ferro Forte odiavam a chuva. Dizia-se em Ferro Forte
que enquanto chovia espíritos das águas enchiam os ares com sua presença e
enfraqueciam as espadas, fazer uma boa espada durante um temporal era tão raro
quanto ver um Dragão. Quando passou pela taverna já estava ralado, cansado e
enlameado, Arwen você me paga, por que eu
tenho que buscar isso? Se Merlon me pega estou frito.
Nogard tinha dez
anos, nascera durante a Ultima Grande Guerra, mas não era um Guerreiro por
Nascença, esse prestigio era conferido apenas aos guerreiros de Pontas de
Lanças, sua mãe era uma costureira de Chifre do Dragão e seu pai um Ferreiro de
Ferro Forte, durante a batalha, após a debandada dos Dragões, todas as mulheres
foram enviadas para o norte, para ficarem em segurança na cidade de Elmo de
Gelo, foi ali que ele nasceu, a vários dias da batalha, portanto não era
agraciado pelo Nascimento da Batalha. Sua mãe veio para Ferro Forte quando ele
tinha dois anos e infelizmente veio viúva. Nogard não conhecia nada alem dos
campos, das muralhas de Pescoço dos Homens e do Rio de Ferro, as histórias que
o decadente Merlon lhe contava eram a única informação sobre a história de todo
o reino de Andor, e isso às escondidas da sua mãe. Serena abominava a guerra e
todas as peças que a vila produzia para o reino, a guerra tinha levado aquilo
que era mais precioso para ela e ela não deixaria isso ocorrer novamente.
Nogard chegou ao
limite da vila, a fumaça da Taverna ainda estava muito volumosa, o que queria
dizer que não era muito tarde. Havia um bosque de onde os ferreiros buscavam
lenha e ele entrou em meio a tropeções e choramingos. Nogard conhecia bem
aquele bosque, buscava lenha ali por muitas vezes durante o dia, era o ajudante
do ferreiro mais velho e pobre de toda Ferro Forte, Merlon. Caminhou até uma
clareira rodeada por longos pinheiro e então viu sua adversária, estava sentada
sobre uma pedra coberta de musgo embaixo de uma árvore tão volumosa que
podia-se dormir em seu tronco, tinha os joelhos próximos ao queixo com uma cara
que revelava a sua impaciência e estava
mexendo algumas folhas secas com um galho quando o viu se aproximar.
- Nossa, pensei que
não vinha mais, você demorou tanto que quase comecei sem você – disse Arwen emburrada saltando da pedra e
caminhando em direção a um saco que Nogard não tinha visto até então.
Pelos dragões, ela trouxe aquilo tudo?
- Arwen estava
pensando melhor e acho que não devemos fazer isso. – disse Nogard coçando a
cabeça.
- Do que esta
falando Nog? Planejamos isso a dias, estou com muita energia e alem de tudo
devolveremos isso ao velho Merlon antes de ele terminar sua caneca de cerveja.
– disse Arwen fuçando no saco sujo.
Nogard era mais novo
que Arwen dois anos e isso em nada o agradava. Ele queria parecer um homem
feito e não fazer aquilo naquela noite parecia ser uma atitude bem adulta.
- Mas eu conheço ele
Arwen, ele sabe tudo o que tem ali, cada elmo cada espada...
- Lanças. – disse
Arwen.
- O que você quer
dizer com...
- Lança! – gritou
Arwen e arremessou uma lança de madeira e ferro aos pés de Nogard.
Invadir a fundição
de Merlon e roubar seus itens já era problema o bastante para Nogard, mas ver
os desenhos nas laminas das lanças e reconhecer que eram as encomendas do Lord
Grum, senhor de Pontas de Lanças foi assustador.
- Espere Arwen, você
não entende, essas lanças são...
Seus choramingos
foram interrompidos pela primeira estocada de Arwen, Nogard rolou por baixo da
lança e pegou a sua, não era a primeira vez que faziam treinos de lanças,
apesar de que lanças de galhos com laminas de folhas não eram a mesma coisa que
as grandes lanças dos Guerreiros por Nascença, e ele percebeu isso no momento
em que pegou a lança.
- Ei, isso esta
pesado demais, não consigo nem levanta-la. – disse tentando equilibrar a lança
com a maior firmeza possível.
Arwen já estava com
um sorriso que Nogard sabia ser de brincadeira.
- Não acredito que
vai fugir, ainda mais lutando contra uma garota, por acaso é alguma espécie de
Covarde Alado? – disse Arwen referindo-se ao nome pelo qual os Dragões de Andor
eram conhecidos.
- Em primeiro lugar
os Dragões não são covardes, Merlon me disse que eles tiveram um motivo para
não lutar, um motivo que os homens não entendem – disse sorrindo e colocando o
enorme elmo na cabeça -, e em segundo lugar, não fujo de meninas.
Começaram a lutar,
lutar era um pouco demais para uma menina de doze anos e um garotinho com dez,
os risinhos e os choramingos faziam mais barulho do que as lanças, os elmos, e
os escudos de folhas. Arwen golpeou os pés de Nogard mas ele deu um pequeno
salto e escapou do golpe, correu de encontro a amiga tentando abarroa-la com o
escudo afim de desequilibrar a garota com a lança pesada e o elmo grande
demais, a manobra funcionou mas ele perdeu seu escudo, caíram rindo sobre o
macio musgo da pedra, uma chuva de folhas que outrora foram o escudo de Nogard
caiam sobre eles, e a lança perfurou a árvore tão rapidamente que fez ela
vibrar tão forte que mais folhas caíram sobre eles, Nogard não sabia o que o
espantava mais, o fato da lança arremessada ter balançado uma arvore tão grande
ou o fato do velho Merlon estar parado ao lado do saco de equipamentos com sua
caneca de cerveja na mão e cara de poucos amigos.
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