Capítulo
6 – Um Sobrenome
A manhã chegou
rápido, o sol brilhava forte, e o seu calor logo espantou o frio da madrugada.
A carroça de Merlon seguia sua tortuosa e lenta viagem, sendo puxada por seus
cavalos magricelas. No Banco de Condução agora sentavam-se Nogard, Merlon e
Arwen, que estava de péssimo humor, por ter sido descoberta, por ter furado seu
vestido em uma das lanças de Lorde Grum, e por ter perdido seus bolinhos de
morango para o velho Merlon, que já havia devorado oito dos dez que ela
trouxera.
- Arwen Venderim,
filha da Bolkuriana Mawreen e do desconfiado Multer, um Curista notável aquele
senhor, você tem uma tendência a arte da cura garota, não devia desperdiça-la
tentando ser um escudeiro, agora em relação à sua estadia em minha carroça, é
do conhecimento de seus pais minha jovem? – perguntou Merlon, comendo os
últimos dois bolinhos, para tristeza de Arwen.
- Não. – Arwen sabia
que a resposta era tola mas não podia dizer mais nada, se eles soubessem não
haveria necessidade de se esconder na bagagem. Merlon também sabia disso, mas
decidiu que gostaria de ouvir isso de Arwen.
- Entendo, de
qualquer forma não podemos voltar agora, já deixamos os campos de trigo para
trás e nos aproximamos da Colina de Mélis, tenho um prazo para entregar essas
lanças e não pretendo perde-lo.
- Quanto tempo...
até Pescoço? – perguntou Nogard, que quase não estava falando durante a viagem,
parte por estar exitado demais com a ideia de ver cavaleiros de verdade, parte
por estar tão pálido quanto os cavalos de Merlon, devido ao balançar da
carroça.
O velho deu uma
olhada para o céu e outra para a muralha distante.
- À cavalo, pouco
menos de um dia de viagem, mas essa carroça pesada não cruzara o portão da
cidade em menos de três dias, mas não se preocupe, tenho sacos de dormir
suficientes, algo me dizia que você não viria sozinho, é quase impossível
separa-los, andam juntos, riem juntos e roubam juntos.
Esse ultimo
comentário fez Nogard corar, Arwen no entanto estava com um humor tão terrível
que espantaria o Falso Rei em pessoa.
- Mas devolvemos
suas lanças, você devolverá meus bolinhos? – perguntou Arwen com um bico
emburrado, o bico mais emburrado que Merlon já vira.
Merlon não conteve
uma longa e pesada gargalhada.
- Perdoe-me jovem escudeira, tenho uma queda por doces –
explicou Merlon passando a mão por baixo do banco de condução -, aqui, pegue. –
e atirou um pequeno embrulho no colo de Arwen.
Quando Arwen abriu o
pacote teve uma surpresa, e o aroma que saiu do embrulho tocou seu rosto como
um beijo de boa noite.
- Gotas de Prata? –
perguntou Nogard tomando o pacote das mãos de Arwen, esquecendo de imediato
todo o enjôo da viagem.
- Nog, espere isso é
meu. – disse Arwen.
- Desculpe Arwen mas não me contive. –
respondeu o garoto com a boca tão cheia, com os deliciosos frutos adocicados,
que quase não foi compreendido por Arwen.
Por fim eles
dividiram as Gotas de Prata. Não sem muitas brigas. Merlon fez uma pequena
curva para a direita e começaram a subida da Colina de Mélis.
A colina era coberta
por uma fina camada de capim novo, e no seu topo havia um enorme castanheiro,
com uma copa grande o suficiente para abrigar cinquenta homens da chuva, e ali
Merlon parou e desamarrou os cavalos, afim de que pudessem pastar mais a
vontade. Ali, sob aquelas folhas e galhos grossos, em tempos passados a Rainha
dos Banedúim, Mélis a Bela, se casou com o Rei Bárbaro, último Rei dos
Banedúim, Artaroth o Altivo. Um casamento banhado em um amor inquebrável. Um
amor infinito, que foi interrompido pelas ambições dos homens.
Chegaram ao topo da
colina ao meio-dia. E ali montaram um pequeno acampamento, Merlon retirou uma
mesa pequena e três cadeiras da carroça, colocou-as à sombra da árvore e
começou a preparar uma fogueira, sem parar de falar com Decadência um minuto sequer.
Nogard estava pegando alguns galhos caídos com Arwen.
- Nogard qual o seu
sobrenome? – perguntou Arwen curiosa.
Nogard deu de
ombros.
- Não sei, minha mãe
disse que eu não preciso de um.
- Que bobagem, todos
precisam de um sobrenome, ele revela a história do seu passado, e lhe diz
aquilo que irá herdar, eu sou uma sangue puro Bolkuriana, meus avós eram
mestres da moeda no Palácio Vivo, e os Venderim foram muito importantes em toda
a Arelon. – Nogard fez um apoio com as mãos e Arwen subiu em um galho mais
baixo – Você sabia que os Curistas do reino surgiram em Bolkur?
Nogard tocou seu
colar, meu pai tinha um sobrenome,
pensou o garoto.
- Os Curistas não
matam os Bulks, os arqueiros sim, Merlon me disse que meu pai matou muitos
Bulks.
- Seu pai era um
ferreiro. – disse Arwen enquanto quebrava dois galhos com muitas folhas.
- Mentira! – disse o
garoto ficando irritado – Meu pai era um arqueiro, ele ensinava as pessoas como
usar o arco e o reino não teria arqueiros se não fosse ele.
- Acalme-se meu
jovem. – disse Merlon aproximando-se de Nogard e lhe bagunçando os cabelos, que
estavam cada vez maiores.
- Seu pai era um
arqueiro, Grão Arqueiro Bemiron, mas também era um ferreiro, e um dos melhores,
todo bom guerreiro deve ser habilidoso com espada, machado, lança ou arco,
alguns ainda se especializam em todas essas artes, porém nenhum guerreiro é
melhor que aquele que conhece sua arma, seja um ferreiro Nogard, antes de ser
um guerreiro, ou você será fraco e será quebrado, como sua espada.
Os ferreiros
possuíam grande prática na arte de produzir fogo rapidamente, alguns com pedras
e outros com galhos. Não demorou muito e a fogueira começou a crepitar, o dia
já começava a escurecer , uma sombra nascida do mal, que crescia no sul e
tomava todo o céu de Andor. O povo de Andor sabia que o sol estava ali, que não
era muito mais que inicio da tarde, porém não podiam vê-lo.
- Não é seguro
prosseguirmos durante a noite crianças, vamos comer algo e depois preciso lhes
contar algo sério. – disse Merlon retirando um pequeno caldeirão da bagagem de
sua carroça, enquanto Nogard e Arwen limpavam a área com galhos a pedido de
Merlon.
Merlon preparou um
ensopado raso de legumes e pedaços de carne de cabra, serviu as crianças, que
devoraram tudo sem reclamar, ele arrumou os sacos de dormir enquanto elas
comiam, e depois voltou para a mesa.
- Estava bom? – as
crianças acenaram positivamente – Quando forem dormir terão leite, agora
prestem atenção a cada palavra que eu lhes disser.
Nogard e Arwen se espantaram
com a seriedade de Merlon, a aparência de Merlon costumava ser de um bondoso
senhor, com uma longa barba branca que lhe conferia um tom de sabedoria, ali
porém não parecia mais o mesmo Merlon, estava recostado na cadeira, uma de suas
mãos segurava sua cabeça, pensativo, seus olhos eram sombras na escuridão e sua
Decadência parecia brilhar à luz das chamas da fogueira.
- Esqueçam os
Dragões.
A frase de Merlon
chocou as crianças com mais intensidade que sua aparência.
- O que? –
perguntaram em uníssono.
- Exatamente isso
que os seus ouvidinhos ouviram, esqueçam os Dragões, esqueçam suas preces e
esqueçam seus ditados e frases. Estamos indo para uma das Nove Cidades, Arelon
governa ali, e ele não tolera nada que lembre os Dragões, que ele faz questão
de chamar de Covardes Alados.
- Mas o Rei não esta
lá. – disse Nogard.
- O seu Rei está em
todos os lugares Nogard, ele tem ouvidos e olhos por toda parte, e não
toleraria menção aos Dragões, portanto não devem pronunciar essa palavra
durante todo o tempo que estivermos em Pescoço dos Homens, vocês estão prestes
a conhecer a verdadeira Andor e ela não é nada bonita. Entenderam?
- Sim Merlon. –
respondeu Arwen.
Merlon olhou para
Nogard e estreitou os olhos.
- Não te ouvi
Nogard.
Nogard coçou a
cabeça, mordeu os lábios e enfim falou.
- Não vou falar
Dragão na frente dos outros, mas preciso fazer minhas preces, minha mãe me
disse que isso é importante.
Merlon suspirou com
tristeza.
- Sua mãe está certa
Nogard, mas dentro daquelas muralhas, nem tudo aquilo que parece certo deve ser
realizado. Agora vão dormir, partiremos no fim da madrugada.
As crianças se
enrolaram nos sacos e adormeceram. Merlon enrolou-se em sua capa, acendeu seu
cachimbo e sentou-se em uma das raízes do grande castanheiro.
- É verdade,
jamais poderei controla-lo, mas devo instrui-lo, o poder que reside nele é
muito instável, só ele poderá mudar Andor, para o bem ou para o mal.
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