sexta-feira, 27 de dezembro de 2013

Nove Dragões - A Lenda de Nogard

Capítulo 16 – Lobo Assado



   O grupo continuava sua marcha, o Norte ainda era o destino, agora à frente deles havia apenas um enorme campo que se estendia por milhas e milhas, mudava de cor conforme a vegetação, verdes ramos de capim-flecha, que eram tão altos que chegavam à cintura dos homens, mesmo estes estando montados, um lindo e amarelado tapete de trigo-rasteiro, que brilhava ao sol, e outras plantas menores, nenhuma árvore era vista ali, nenhum rio, não havia montanhas ou colinas, apenas o plano horizonte à frente deles. Nogard se perguntava por onde Merlon andava e o que estaria fazendo, apesar de Guillar deixar os dias mais alegres com sua música a viagem o cansava, e ele sentia a falta de seu velho amigo, sentia falta de suas histórias, da maneira como falava com sua cicatriz, fazendo as pessoas responderem sem serem perguntadas, do cheiro enjoativo de seu cachimbo e até mesmo das suas broncas.
  - Por onde acha que Merlon anda, Jih’ndo? – perguntou Nogard, de cima de seu vermelho Arkas.
  Jih’ndo arrumou a presilha que segurava seus cabelos no alto da cabeça.
  - É difícil dizer com precisão, Andor é grande e muita coisa foi deixada de lado nos últimos tempos, o velho Merlon era importante demais para nós Nogard, ele não devia ter deixado seu posto e seu titulo. – disse Jih’ndo com tristeza – O mais provável é que tenha ido até as cidades de Força dos Homens, Porto Vitória ou Nona Ilha, não ha nada para se ver em Bolkur, nada além de fantasmas, e ele não viria para o norte, ou teria vindo conosco rumo a Pontas de Lança.
  - Renolon falou de um mensageiro – disse Arwen, estava na garupa de Arkas, andava sempre junto a Nogard, sempre que podia, quando não precisavam cavalgar com velocidade -, ele disse que as cidades estavam em guerra.
  Jih’ndo franziu o cenho.
  - Nona ilha? – perguntou o Jeh’khgari.
  - Não só Nona Ilha, mas também Porto Vitória. – disse Arwen.
  Nogard olhou para trás, para Arwen.
  - Acho que eram Força dos Homens e Porto Vitória.
  Jih’ndo interviu.
  - Mas isso seria um desastre, Porto Vitória não domina os combates em solo, são especialistas em batalhas navais, assim como Nona Ilha, Força dos Homens provavelmente destruiria a cidade e a entregaria a um de seus senhores, homens de índole duvidosa, muitos estandartes diferentes naquela região, isso não é bom para os negócios. Uma cidade que não é unida, nem mesmo dentro de suas muralhas. Se Joh’han quiser Merlon chegou antes dessa loucura se tornar realidade, existem Bulks nas montanhas ao sul daquela região.
  A menção da palavra fez Arwen estremecer na sela.
  - Mas Renolon disse que eram apenas uma centena. – disse Arwen.
  - Minha jovem, acredite, uma centena daqueles monstros são um perigo a se considerar. – explicou Jih’ndo - São criaturas traiçoeiras, fortes e muito bem treinadas, aqueles não são Bulks errantes que ficam vagando por Andor, usando elmos e armaduras encontradas em estradas e nos depósitos de um fazendeiro qualquer, aqueles são Bulks vindos direto do Reino Negro, o Falso Reino, são criaturas armadas e preparadas para qualquer tipo de batalha, não sentem fome, nem frio e nem medo, podem correr grandes distancias e lutar durante dias, e rezemos para que não venham montados naquelas feras de quatro patas, isso só pioraria a situação.
  Preciso enfrentar esse medo, não quero levar isso comigo para o resto da minha vida, na primeira oportunidade preciso derrotar um Bulk, pensou Arwen, a garota ainda desejava ser um Cavaleiro, e gostava de pensar que seria um Cavaleiro com habilidades de cura Bolkuriana.
  - E se Merlon não foi para lá, e se ele foi para Nona Ilha? – perguntou Nogard.
  - Nona Ilha não é um problema imediato, mas pode se tornar um, eles possuem uma comunidade muito pessoal, poucos forasteiros são aceitos em suas ilhas, e eles tem o péssimo costume de se esquecer de Andor, será bom Merlon os lembrar disso, ou eles podem se tornar um grande problema no futuro. – respondeu Jih’ndo, e acenou para um de seus homens, pedindo algumas frutas.
  - Já vão comer novamente? – perguntou Guillar, com sua voz ébria, seu sorriso débil e seu balançar perigoso sobre o cavalo, trazia uma flauta em uma das mãos. Guillar não tocava apenas alaúde, tocava também uma flauta de madeira, que parecia imitar o canto dos pássaros, um pequeno tambor e uma bela gaita de prata, que Jih’ndo não sabia explicar de que região era. Tudo isso estava guardado em seu saco sujo, onde havia muitas outras coisas, coisas que nenhum deles sonhava conhecer – Um belo glutão esse Jeh’khgari não? Me impressiona que ainda seja magro e belo, meu Senhor, eu no seu lugar não poderia montar nem um urso, de tão gordo ou de tão satisfeito de bebidas. – Guillar costumava trocar o termo bêbado por satisfeito de bebidas. Algo que fazia Nogard sorrir sempre.
  - Digamos que não tenho o seu apetite, caro Bardo Guillar, venho de uma cidade da velha Jeh’khgar chamada Joh’kor, em Joh’kor temos o habito de nos alimentarmos com dez refeições diárias, obviamente que são consideradas simples uvas como uma refeição completa, o fato é, comemos diversas vezes porém comemos em quantidades moderadas.
  - Uma vez eu comi um lobo. – disse Guillar.
  Arwen se espantou com o comentário de Guillar, parte por ter sido feito de uma forma tão inesperada e parte pelo seu conteúdo em si.
  - Um lobo? – perguntou a jovem – Isso é impossível, você devia estar faminto.
  - Não tanto quanto esperava, devo admitir que os últimos pedaços de carne assada, que estavam duros demais para o meu gosto, desceram relutantes goela abaixo. Não estava com fome na ocasião, estava acampado perto de Elmo de Gelo, e havia deixado meu cantil ao lado da barraca, um erro terrível meus jovens, que eu não cometerei novamente – explicava Guillar -, então ele veio, durante a noite, era um lobo enorme, com uma longa pelagem cinzenta sobre as costas, seus olhos eram vermelhos e famintos, pensei que ele levaria meu jantar, um veado que eu havia caçado, aprendi desde criança que os animais tem mais direito sobre as caçadas que os homens – suas palavras eram embaralhadas e de difícil compreendimento, devido à sua satisfação de bebidas – porém o malvado tinha intenções mais cruéis.
  Arwen olhou com espanto.
  - Ele queria você? Queria ataca-lo?
  Guillar balançou o dedo de um lado para o outro.
  - Muito pior, minha criança – enfiou a mão no saco, que estava preso na garupa de seu cavalo emprestado, e retirou o motivo da morte do lobo -, ele queria meu cantil.
  E deu um enorme gole, longo e demorado, com vinho escorrendo pelo seu queixo. Nogard gargalhou como ha muito tempo não fazia. Arwen cruzou os braços e ficou emburrada na garupa.
  Jih’ndo riu e bateu palmas.
- Senhor Guillar, devo admitir que o senhor vale cada gota de vinho que estou lhe pagando.
  Guillar fez uma reverência em cima do cavalo, a reverência mais estranha que Nogard já vira.
  - É um prazer meu Senhor, às vezes canto para beber e às vezes bebo para cantar, já bebi, como puderam presenciar, acho que é hora para uma bela canção.
  Levou a flauta à boca e começou a tocar, era uma bela melodia e o som era leve como as nuvens, parecia que haviam milhares de pássaros dentro da flauta do Bardo Bêbado, a música não era cantada e não havia palavras, mas Nogard sentiu algo diferente naquela canção, parecia que os sons formavam palavras em sua cabeça, não eram palavras como em um livro, onde se seguiam regras de posições, letras que formavam palavras, palavras que formavam frases, era diferente. Em sua cabeça Nogard via todas as letras e todas as palavras juntas como uma só, dobravam-se e desdobravam-se sobre si mesmas. Arwen olhou para Nogard e viu o seu olhar perdido no horizonte.
  - Nog? Você esta bem?
  Filho da Natureza, eu Guillar, contemplo o Filho da Natureza, pensou Nogard, traduzindo o som em sua cabeça em forma de palavras, se espantou e olhou para Guillar, o Bardo parou de tocar por um momento, pôs a mão no peito, por baixo da barba como fizera daquela vez na estrada, e fez uma reverencia, dessa vez foi gracioso e elegante. Aproximou seu cavalo.
  - Acalme-se jovem, suas dúvidas serão respondidas, sou apenas um grão no deserto, sou apenas uma gota no mar, você por outro lado – cochichou Guillar -, é uma grande duna e uma grande onda.
  Arwen aguçou os ouvidos tentando escutar.
  - Mas eu não entendo, o que esta acontecendo comigo, por que estou crescendo tão rápido, e meu cabelo...
  - Não se preocupe, confie em mim, Merlon não se enganou, você é quem deve ser.
  Nogard estranhou, sinceramente, o fato de Guillar falar de Merlon como uma pessoa conhecida.
  - Você conhece Merlon? – perguntou o garoto, ainda em tom baixo.
  - E quem não conhece, ele é o General de Andor. – respondeu Guillar, fingindo não conhecer um homem que já havia passado incontáveis anos ao seu lado – Tudo a seu tempo meu jovem, por hora é importante que você aprenda as artes da batalha, e esta indo para o lugar certo, a arte da bonança você já possui, agora preste atenção à melodia, existem palavras mágicas no canto dos pássaros, apenas alguns podem ouvir tais palavras, e outros bem poucos conseguem entende-las. – e voltou a tocar sua flauta de pássaros.

  Filho da Natureza, eu Guillar, contemplo o Filho da Natureza, o som e as palavras ressoavam na cabeça de Nogard. Uma paz o envolveu, sentia a grama, as nuvens, os cascos dos cavalos tocando o solo, a respiração de esquilos perdidos em meio a grama e o roer dos ratos em suas tocas, muito profundamente sob seus pés, tudo aquilo que estava à sua volta. Ele sorriu e seguiu o grupo.



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