sexta-feira, 17 de janeiro de 2014

Nove Dragões - A Lenda de Nogard

Capítulo 19 – Marés e Estrelas


  A madrugada se ia, o sol começava a nascer e uma espessa neblina surgia do mar.
  E a visão era um ultraje, pelo menos para Doufas. E despertava uma ira no coração do Lorde que só seus senhores apaziguavam, do contrário já havia atacado, estavam ali a dois dias, na frente de seus exércitos bem treinados. Eram marinheiros que o ameaçavam com gritos, homens do mar, que o desafiavam em terra, e liderados por ninguém menos que Merlon, o General de Andor.
  A idéia de Merlon era ousada, mas se ela funcionasse ele teria os dois exércitos e não perderia muitos homens, espero que não seja um covarde, Lorde Doufas, espero que continue sendo bravo e tolo como sempre foi, pensou Merlon.
  Merlon estava em frente às muralhas de Porto Vitória a dois dias, havia dez mil homens à suas costas, fora dos portões da cidade, o que era um desafio e um ultraje às Estrelas Negras de Doufas. A muralha da cidade estava repleta de arqueiros, homens com lanças de arremesso e arpões de pesca. Merlon sabia que Doufas não suportaria aquela visão, aqueles homens que eram do mar desafiando seus exércitos do solo. O campo era o estreito de terra entre Porto Vitória e Praça Jaoh’ndar, e ao longe podia-se ver as Estrelas Negras preparando para atacar, dois dias, ele suportou durante dois dias, virá com aço em suas mãos e ira em seu espírito, não posso deixar as Marés de Outono temerem aqueles homens, pensava Merlon, então virou-se e bradou em sua voz de guerra, aquilo que incitava os homens de porto Vitória a dois dias.
  - Marés de Outono! – berrava Merlon, em seu Sofhlax, com as mãos erguidas em direção à cidade – Qual sua bandeira?
  O som que veio dos exércitos ao pé das muralhas e do topo, onde mais homens chegavam a cada hora, era uma maré de vozes exaltadas.
  - O Barco Que Não Se Quebra! Porto Vitória! Porto Vitória! – bradavam os homens, e batiam espadas em escudos, tocavam trombetas e davam gritos de ordem e de guerra. Isso não é nenhum Vhandolion, e os espíritos não aceitariam de qualquer forma, mas acho que vai ajudar, pensou Merlon. Nada daquilo que os Vitorinos bradavam era real porém, fora ideia de Merlon, para incitar os guerreiros. Porto Vitória possuía um exército marítimo, e no mar não há gritos de guerra ou saudações, as ondas são as únicas que falam no mar.
  Mas aqueles homens gritavam, berravam e desafiavam, a ideia de Merlon era não fazer eles debandarem, e provocar a Estrela Negra ao mesmo tempo. Até agora estava funcionando.
  - Acha que demora muito, meu General, até atacarem? – perguntou Fubrus, filho de Larkos. Estava em sua armadura e usava seu elmo de grades, mas não montava, estava a pé, ao lado de Merlon, os Vitorinos não eram Cavaleiros, eles diziam cavalgar as ondas e os mares.
  - Não, meu filho, não vai demorar agora. A hora esta chegando e Doufas deve estar derretendo de ódio nesse exato momento – disse seriamente Merlon, observando a movimentação ao longe, no acampamento das Estrelas Negras. Virou-se para a muralha novamente e incitou em sua grave voz – Marés de Outono! Qual sua bandeira?
  Mas uma vez a cidade respondeu.
  - O Barco Que Não Se Quebra! Porto vitória! Porto vitória!
  Merlon virou-se novamente para o acampamento de Lorde Doufas.
  - Fez o que lhe pedi? Esta tudo pronto? – perguntou Merlon.
  - Sim, Senhor Merlon, exatamente como pediu, tudo esta preparado.
  Merlon passou a mão em sua longa barba.
  - Então é isso, acha que funcionará? – perguntou Merlon.
  - Eu cr... – começou Fubrus, mas parou, percebendo que Merlon já estava respondendo, e para sua cicatriz.
  - Ora deixe estar, Decadência, sua opinião às vezes me aborrece.
  Nesse momento um som veio do acampamento de Doufas, trombetas e tambores, o som vinha com o vento e tocava o rosto dos Vitorinos, finalmente as estrelas saíram das nuvens, pensou Merlon.
  E então todos puderam ver, as tropas de Doufas deixando seu acampamento, marchando em direção a Porto Vitória. Havia homens a pé, a infantaria das Estrelas Negras, Cavaleiros em montarias enfeitadas com estrelas e longas lanças com pontas estreladas, arqueiros em linha dupla, dois enormes aríetes e muitos escudeiros, ali se viam oito mil homens e muitas bandeiras, a Torre do Rei vinha com a infantaria e os arqueiros, Lord Mafilhem, o traidor mostra seus dentes afiados, pensou o velho. A grande tropa de Cavaleiros, era uma maré de armaduras enegrecidas, traziam as bandeiras de muitos senhores, Bolers e sua Águia Verde, Viroon e sua Víbora Vermelha, os Mafil com suas Flechas Brancas, e a Estrela Negra sobre fundo branco, Força dos Homens.
  Marchavam sem pressa, os tambores ditavam um ritmo lento e as trombetas tocavam com pouca frequência, mas eles vinham, e isso já era problema demais.
  - Prepare-se Frubus, vamos ter uma conversa com homens experientes, que são mais habilidosos com suas línguas do que com suas espadas.
  - Sim, Senhor, conheço a fama destes Senhores, não me deixarei levar.
  - Assim espero, não diga nada e apenas segure o estandarte, entendido?
  Fubrus assentiu.
  Merlon percebeu que os tambores ficavam mais altos e ameaçadores conforme os homens se aproximavam, e percebeu também que a cidade estava muito quieta, incitou a cidade mais uma vez e novamente veio a resposta.
  - O Barco Que Não Se Quebra! Porto Vitória! Porto Vitória!
  E eles ficaram ali um longo tempo, esperando seu inimigo chegar, e Merlon torcendo para seu plano funcionar. Quando os inimigos estavam a certa distancia eles cessaram sua marcha. Uma única trombeta tocou, tocou alto e agudamente, como um pedido de atenção.
  - Chegou a hora – disse Merlon -, vamos!
  E foram, Fubrus e Merlon, em direção aos oito mil homens. Merlon em seu Sofhlax e Fubrus caminhando, com o símbolo de Porto Vitória em sua lança. Do outro lado do campo, avançaram uma dupla de Cavaleiros, um estava encouraçado e o outro em sedas, Merlon sabia quem eram, pois não traziam estandarte, não precisavam se identificar, eram Doufas e Mafilhem.
  Se encontraram enfim em meio aos dois exércitos, em meio a dez mil Vitorinos e oito mil Estrelas Negras.
  Doufas pediu a palavra.
  - Não sei se desaprendi a contar, mas não vejo vinte mil homens ali, velho, vejo no máximo doze mil. – disse Doufas, errando o número.
  Merlon percebeu Fubrus engolir em seco, o jovem capitão sabia do plano todo, e o General não queria ver seu plano ir por terra.
  - Creio que não passa alguns dias em Porto Vitória a algum tempo, Castelão, muitas coisas mudaram na cidade, devido a motivos que não me cabe comentar.
  Doufas pareceu desconfiado, Mafilhem no entanto engoliu a história.
  - Sinto muito por todo esse infortúnio, General, já lhe disse uma vez e repito agora, os tempos mudaram, agora você vê isso, com seus próprios olhos, Porto Vitória disponibilizava de vinte mil marinheiros bem treinados, hoje no entanto não passam de dez mil – disse Mafilhem, que era muito melhor de contas do que Doufas -, não leve essa loucura a diante General, vamos parar aqui mesmo, nenhum Vitorino precisa morrer aqui hoje, conversei com Lorde Doufas essa manhã e ele concordou em não destruir homens ou cidade, baixem suas armas e lhes garanto que tomaremos a cidade de maneira politica, com tratados e pergaminhos.
  Fubrus apertou o cabo da lança e ia dizer algo, mas Merlon pigarreou alto, lembrando o jovem de que não podia falar ali. Merlon acariciou a branca crina de seu magro cavalo.
  - Lamento dizer isso, mas não será possível, Lorde Mooner esta gordo demais para sair da cidade, e precisamos de seus homens para pescarem o máximo de peixes possível, para alimentar o Lorde. – disse Merlon, provocando Doufas ainda mais – É um grande urso aquele que governa Porto Vitória, e muitos ursos ali governaram antes dele, creio que uma estrela não se dará bem naquele trono, Porto Vitória não cairá, com dez mil homens ou com dez, pois eu não permitirei, serei cortês e oferecerei a vocês a mesma proposta, baixem suas lanças e não haverá luta aqui hoje, no entanto deverão vir comigo, para que Lorde Mooner os julgue por sua traição contra Porto Vitória e Andor.
  Mafilhem ficou surpreso e tampou a boca com um pedaço de seda, para esconder o sorriso, Lorde Doufas no entanto sorriu de forma sombria com seus finos lábios.
  - Deseja caminhar nos Campos de Paz ao final deste dia, Merlon? – perguntou Doufas.
  Merlon parou de acariciar a crina de seu cavalo, agora acariciava a própria barba, como fazia com frequência. Ambos os exércitos estavam em silencio, o vento soprava no estreito de terra e o mar chocava-se contra as pedras, em ambos os lados do campo.
  - Esta feito então, Senhores, nos vemos na alvorada do amanhã, nos Campos de Paz.
  Mafilhem se pronunciou com sua aveludada voz.
  - Merlon, nã...
  - Esta louco, velho! – se exaltou Doufas, tocando o cabo de sua espada. Merlon não se moveu – Não ha motivo para morrer aqui, iremos dizimar suas tropas antes do desjejum, esse é meu ultimo aviso, se retire, ou morra!
  Merlon o fitou com olhos penetrantes, movendo Sofhlax de um lado para o outro, mas Doufas não largou o cabo da espada.
  - Não se apresse, Doufas de Força dos Homens, verei seu aço, mas não aqui, me procure no campo de batalha, Senhor, pois certamente eu o procurarei.
  Então Merlon se virou e voltou para as muralhas e os Vitorinos, calmamente. Ouviu Doufas incitar o cavalo em direção aos seus homens com velocidade.
  Merlon se pôs em frente aos homens e incitou a cidade novamente, a resposta veio outra vez, agora é a hora, que os Dragões nos protejam, pensou Merlon.
  Do outro lado do campo Doufas colocava suas tropas em linha, de uma margem do mar até a outra, corria de uma lado para o outro em seu cavalo, gritando palavras de guerra e dando coragem a seus homens. As Estrelas Negras respondiam com gritos, espadas e lanças batendo em escudos e cavalos que empinavam, não haveria mais volta, Doufas desembainhou sua lâmina e apontou em direção a cidade, oito mil homens começaram a se mover, os tambores aumentavam seu ritmo gradativamente, e logo eles estavam correndo, com espadas em mãos, lanças apontadas para os Vitorinos e Cavaleiros cavalgando.
  - Esperem! – bradou Merlon para seus homens, aos pés das muralhas – Carregar catapultas! – gritou o velho, sua ordem foi repetida mais quatro vezes até chegar ao topo da muralha.
  As Estrelas Negras se aproximavam, com fúria em seus olhos.
  - Esperem! – disse o velho mais uma vez. Então ele achou a distancia segura, agora você esta preso meu caro Lorde – Agora!
  Nesse exato momento as trombetas da cidade tocaram, e os homens formaram uma enorme parede de escudos em frente as muralhas.
  Elas estavam ali todo tempo, e era lá que estavam os outros dez mil Vitorinos, atrás da cidade, escondidos pela neblina do amanhecer e pelas muralhas de Porto Vitória, duzentas embarcações, que agora saíam de seu esconderijo e navegavam em direção aos braços de mar que contornavam o estreito de terra, onde ficava a cidade. Dentre as embarcações estavam aquelas que Merlon mais precisava, as novas Balsas de Catapultas, vinham atrás dos navios mais rápidos, aqueles que tinham mais homens.
  Alguns homens de Doufas diminuíram a velocidade de sua investida, mas o Lorde e seus Senhores incitaram, com vozes de batalha, para que não houvesse desertores.
  - Agora vitorinos, posicionar escudos! – bradou o General.
  Os Vitorinos formaram uma enorme parede de escudos, aprendida às pressas nos últimos dias, parecia forte o bastante e Merlon esperava que se fosse preciso, elas detivessem a primeira onda de ataques de Força dos Homens.
  As Estrelas Negras continuavam avançando, estavam perto agora, podia-se ouvir os gritos dos homens, e a respiração dos cavalos. As embarcações da cidade passaram por eles, uma ordem foi dada e as Estrelas Negras viraram seus escudos na direção do mar, mas as Marés de Outono não lançaram uma flecha sequer, continuaram, a toda velocidade até Praça Jaoh’ndar, e ali atracaram e desembarcaram, rendendo os poucos homens que tomavam conta do acampamento de Doufas.
  O Lorde se viu em meio a inimigos, mas não se intimidou, ordenou que a infantaria continuasse sua investida e acenou para os Cavaleiros, para que dessem meia volta em direção à Praça.
  E teve outra surpresa, a neblina da manhã se dissipava e ele pode ver claramente, as Balsas de Catapultas, essas não seguiram os návios, estavam paradas no meio do estreito de mar, de ambos os lados do campo, carregadas com enormes catapultas e balistas.
  O Lorde se viu preso, homens à sua frente e homens em sua retaguarda, embarcações à sua direita e à sua esquerda. As Estrelas, enfim, estavam presas entre as Marés de Outono, e como Merlon havia dito, elas não sabiam nadar.





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