Capítulo
20 – Quando uma Rosa Cai
A espada era leve
como uma pluma, seus golpes eram precisos e graciosos, Luxímera, A Estrela na
Escuridão, a espada mágica de Nogard.
Ele estava treinando
alguns golpes com um dos homens de Grum, muito maior e mais forte do que o
menino, mas ele parecia estar se saindo bem, cada vez que o garoto girava em um
golpe seus cabelos acompanhavam seu movimento, algumas mechas colavam em seu
rosto suado e ele parecia sério e concentrado. Até o momento que o Ponta
Lancense atingiu seu rosto com o punho da espada e o atirou ao chão, para
diversão dos outros soldados. Nogard pôs a mão no rosto e um grande hematoma se
formou no local, seus olhos se encheram de lágrimas mas novamente o garoto não
chorou, ele nunca chorava, levantou-se apanhou sua lâmina amarronzada e a pôs
de volta na bainha, bateu a poeira do corpo, suspirou e foi tomar seu desjejum.
Uau, como Nogard
esta alto essa manhã, pensou Arwen, que assistia a todo o treino do final da
madrugada. O garoto parecia crescer de um modo estranho, ficava mais alto a
cada dia e seus cabelos estavam cada vez mais longos, agora atingiam o meio das
costas de Nogard. O que o deixava muito feliz, além de curioso.
Estavam agora
acampados em algum lugar entre Angur e o inicio da Passagem das Montanhas, o
dia nascia e todos começavam a acordar. O acampamento era simples, apenas
algumas esteiras de dormir, feitas com gravetos e lã, uma fogueira para
iluminar alguns poucos metros noite adentro, e uma única barraca, onde dormia
Jih’ndo, sozinho. Ali também era o local onde Jih’ndo compartilhava o
pequeno-almoço com os jovens.
Arwen sabia que eles
estavam se aproximando das montanhas, Jih’ndo havia lhes contado que estavam a
poucos dias da Passagem, no entanto o frio lhes contava mais, desde que
deixaram Angur começaram a perceber uma temperatura diferente daquela que
estavam acostumados, um frio cortante que vinha do Norte, um vento e uma brisa
gelada que até então Nogard e Arwen não conheciam.
O desjejum foi
rápido, mas Arwen não pode deixar de notar a maneira como Nogard estava
comendo.
- Então são quatro
canecas de leite, seis pães com pasta de morango, duas maçãs inteiras e quatro
cachos de uvas, ainda bem que não tem que pagar por isso, Nog, ou teríamos que
fazer espadas para toda Andor.
Jih’ndo sorriu
amigavelmente.
- Não tenho culpa –
disse Nogard -, não sei o que está acontecendo, apenas estou... faminto, como
nunca estive antes.
Arrumaram as coisas e desfizeram o acampamento, em poucos
minutos já estavam se movendo novamente.
- Sou só eu ou você
também esta com calos? – perguntou Arwen.
Nogard fez uma
careta e passou uma das mãos na parte interna da coxa.
- Calos? – perguntou
o garoto – Eu acho que meus antigos calos estão feridos e minhas feridas tem
novos calos.
De fato não era de
se estranhar, a viagem era longa e o ritmo imposto por Lorde Grum era
extremamente puxado, Jih’ndo havia estimado um mês para a viagem, mas nem
metade disso havia passado e eles já estavam se aproximando da Passagem, e
Nogard e Arwen podiam sentir isso na pele.
Continuaram em
grande velocidade, iam agora em direção ao Oeste, suas provisões ainda
suportariam vários dias, mas naquele ritmo muito iria sobrar. Após algumas
horas de cavalgada Grum acenou para o grupo reduzir a marcha. Arwen mantinha
sua Rosa de Erodillis dentro do vestido, vez ou outra afastava o colarinho e
dava uma olhada para dentro da roupa, só para ver a rosa brilhar à luz do sol.
- Jih’ndo você
conhece a história de Erodillis? – perguntou Arwen, para desespero de Nogard.
Que lançou um olhar de reprimenda à garota. Que respondeu com uma língua de
fora.
O rico e belo
Jeh’khgari estranhou a pergunta, mas apenas sorriu com o canto de seus belos
lábios, arrumou sua presilha de cabelo e jogou os longos cabelos para trás.
- Pensei que você
fosse um tipo diferente de garota, Arwem, mas vejo que todas as jovens se
entregam às curiosidades do amor, em determinado momento. – na verdade Arwen
não dava a minima para o amor, ou suas curiosidades, apenas gostaria de saber a
história por trás de seu presente secreto – Foi a quase mil anos, quando os
primeiros Jeh’khgari conquistadores chegaram a Andor, não se sabe muito sobre a
verdadeira história mas especula-se que, quando a Batalha de Belindor estourou
houve um homem e uma jovem, que se casariam naquele dia. Durante a batalha
Erodillis lutou bravamente ao lado de seu amado, assim eram as mulheres
Banedúim, elas lutavam ao lado dos homens, porém, infelizmente, em determinado
momento da batalha eles foram separados, por espadas e lanças, Erodillis se viu
afastada de seu amado e percebeu que ele estava em apuros, de cima de uma
enorme pedra veio uma flecha, de um arco de osso Jeh’khgari, tão certeira
quanto mortal, endereçada ao coração do seu prometido, mas foi o peito de
Erodillis quem foi golpeado pela flecha.
Arwen estava
boquiaberta, e Nogard um pouco desconfortável com toda aquela história de amor,
casamento e coisas do tipo.
- Ela o salvou! – disse Arwen, concluindo o
resto da história – Ela deu sua vida por ele.
Jih’ndo sorriu
tristemente.
- Sim, minha jovem,
ela o salvou, e com a própria vida, quando Erodillis beijou o silêncio e
caminhou para os Campos de Paz, uma rosa se desprendeu de suas vestes, este
artefato é conhecido até hoje como a Rosa de Erodillis, mas seu amado não pode
obtê-la, os Jeh’khgari a apanharam primeiro, e a mantém até hoje, nesse momento
uma fúria sem tamanho tomou conta de seu amado, se diz que ele deu cabo de um
pelotão Jeh’khgari inteiro, aproximadamente sessenta homens caíram perante sua
ira e seu pranto, este homem jurou jamais descansar até o dia em que a terra de
Andor retornasse aos antigos donos, os Banedúim, acreditasse que ele ainda anda
por Andor, no Deserto Branco, clamando por sua amada e chorando lágrimas de
vidro, como um fantasma e uma sombra.
Arwen tocou a rosa
sob o vestido, pelos Dragões, que história triste, essa rosa continha a ultima
lembrança dela, e ele não pôde ficar com ela, não se preocupe,
Amado-de-Erodillis, eu a manterei à salvo, pensou Arwen, se rendendo àquilo que
Jih’ndo havia lhe dito.
Guillar, que estava
o tempo todo de cabeça baixa, ouvindo a história pigarreou.
- Perdoe-me, Senhor
Jih’ndo, mas se me permitir, sei alguma coisa sobre as antigas canções dos
Banedúim, poderia tocar uma canção que serve o momento. – apesar de estar
bêbado, como sempre, a voz de Guillar era séria e triste.
- Acho que não tem
problema algum, de fato não me orgulho do fato de que meu povo foi o
responsável por tal tragédia, e além disso Grum esta bem à frente, creio que
não ouvirá a canção.
Então Guillar enfiou
uma mão em seu grande saco de coisas e retirou seu alaúde, permaneceu em
posição durante algum tempo, as pontas dos dedos tocando as cordas exatas, o
Bardo Bêbado fitou o chão durante um bom momento, seus cabelos cobriam-lhe a
feição, mas Arwen pode jurar que viu os olhos do velho cheios de lágrimas.
E então ele tocou,
com amor e paixão, como só Guillar, o Bardo Bêbado sabia tocar.
Olhos de alma doce incrustam a
divindade de sua face desejada,
Que compunham um sorriso
gravado de vida à vista de seu amado para sua amada
Olhos guardiões dos sonhos de felicidade,
Transparecem o desejo de ter-lo
envolto em seus braços pela eternidade
Olhos objetivos combatem com fervor a ameaça que os alcançou,
Afim de trazer ruínas ao mundo
de anseio dos prazeres que o desejo dos amantes criou
Olhos que cruzaram a batalha para encontrá-lo,
Temerosos pelo pesar de
amargura que seu coração apressou-se em segredá-los
Olhos que não pestanejaram ao deduzirem aquilo destinado,
Que na ponta da flecha estava o
percurso para os Campos de Paz de seu amado
Olhos que gotejaram rubro até estarem esvaídos de sonhos, de alma e de
vida,
Presenteando seu amado com o
desespero na infinidade da angustia, que a solidão reservara com sua partida.
A canção era bela e
harmoniosa, mas continha uma triste verdade, todos ouviram com atenção as
palavras de Guillar, pronunciadas com sua voz ébria. Por um momento nada se
disse, apenas trotaram em direção ao inicio da Passagem. Chegaram no final da
noite, já estava escuro a algum tempo. A passagem era gigantesca, dois
aglomerados de montanhas em ambos os lados de uma longa estrada, eram tão altas
que seus picos estavam escondidos entre as nuvens. Uma longa estrada se
estendia até onde os olhos podiam ver, uma estrada de pedras, gelo e neve.
Ali o gelo e a neve
imperavam, o frio era cortante, e já não dependia mais da brisa ou do vento, o
frio estava ali, presente o tempo todo, estivesse ventando ou não.
- Alto! Vamos
acampar aqui. – bradou Grum, para o espanto de Arwen e Nogard, geralmente
acampavam a cada dois ou três dias, mas tinham acampado na noite anterior –
Vamos nos preparar para atravessar a passagem.
- Se preparar? –
perguntou Nogard à seu amigo Guillar, que já era parte integrante do grupo e já
não recebia para cantar, agora era um convidado, um amigo e recebia seu vinho
gratuitamente de Jih’ndo.
- Sim, não será
fácil passar por essa enorme estrada, essas montanhas são antigas, e guardam
muitos segredos e perigos. – disse Guillar desmontando – Mas o que Grum teme
não é segredo para ninguém, ele teme aqueles que vivem nas montanhas, e eu não
estou falando dos Ponta Lancenses. – disse Guillar e riu, com sua tão singular
risada – Fantasmas, jovem Nogard, ele teme os fantasmas.
Nogard ficou um
pouco apavorado com a resposta de Guillar.
Arwen no entanto já
tinha uma questão em mente.
- Mas fantasmas não
existem. – disse a garota dando de ombros – Todos aqueles que morrem vão para
os Campos de Paz.
- E quanto àqueles
que não morrem? Ou pelo menos não morreram. – perguntou Guillar.
Dessa vez Arwen se
calou, não tinha entendido o que Guillar havia dito e não queria corrigir o
alegre bardo.
- O que ele teme são
Os Fantasmas, mas não são espíritos de homens amaldiçoados, não os fantasmas
que vocês conhecem, são homens de carne e osso, alimentados pela mágoa e pela
esperança. Os Fantasmas são uma irmandade de ladrões, Nogard e Arwen, ladrões
que vivem nessas montanhas, atormentando os viajantes da passagem, roubando e
matando aqueles que eles julgam serem culpados por algo muito antigo.
- Esses... homens,
que você diz – argumentou Arwen -, são ladrões que se escondem perto dos mais
mortais guerreiros do reino? Eu chamaria eles de Os Desinformados.
Jih’ndo estava
ouvindo toda a conversa, e o ultimo comentário de Arwen fez o Jeh’khgari
sorrir.
- Com licença
senhores, mas devo lhes dizer que esses Fantasmas estão aqui justamente pelos
Ponta Lancenses.
Guillar deu um
grande gole em seu cantil e chamou a atenção de todos com um enorme arroto, o
que fez Nogard sorrir.
- Os Fantasmas são
uma irmandade muito antiga, Arwen, eles devem existir a mais ou menos novecentos
anos, e alguns deles são mais velhos que isso.
Então tudo se
esclareceu.
- Banedúim. –
disseram Arwen e Nogard, em uníssono.
- Escória Banedúim!
– disse Grum, se aproximando, intimidador, com seu enorme cavalo de guerra – um
ultimo pedaço dessa raça derrotada, alguns deles ainda vivem aqui nessas
montanhas, como ratos em um sótão, atacando Pontas de Lança durante a noite,
nas sombras. – virou a cabeça e cuspiu – Mas eu os farei representarem seus
papéis de fantasmas, e não serão mais um problema. Agora parem com esses
assuntos, e montem logo esse acampamento.
Logo tudo estava
arranjado, as esteiras dispostas, a barraca de Jih’ndo erguida e a fogueira
queimando. Quando todos estavam dormindo, e só então, Nogard resolveu abrir o
presente que havia recebido de Edaliom, o diário de Jaoh’ndar.
Logo no inicio havia
uma folha solta, onde dizia, esse é o diário pessoal do Primeiro de Cinco
Generais, Jaoh’ndar, Primeiro Senhor de Pontas de Lança, Salvador da Nova
Terra, Conquistador de Joh’han, e foi escrito pelo próprio punho que retirou
Dorean de seu trono de loucura.
Nogard ficou
maravilhado com o pequeno bilhete, colocou-o de lado e começou a ler.
É o ano de mil e
quinhentos da Era das Conquistas, Jeh’khgar foi completamente conquistada, Joh’han
apareceu a mim em um sonho e me disse que eu veria coisas que meus olhos jamais
poderiam explicar.
Hoje eu presenciei
esse fato, o Mar da Névoa se esvai na parte Norte, emfim descobrimos que ele
não representa o fim do reino de Joh’han, mas apenas uma divisória que seria
removida por Ele no momento exato.
Navegamos por águas
desconhecidas, mas a coragem e a fé nos movem, continuaremos adiante.
Chegamos enfim à essa terra nova, passamos apenas vinte dias
no mar, devo deixar claro aqui que jamais poderia ver tamanha beleza em um
único lugar, as árvores, as flores, os rios, tudo aqui é perfeito e belo, o dia
é claro e longo, muito mais longo do que eu poderia imaginar.
Esta terra esta
habitada por homens altos e de longa barba, andam em bandos e tocam músicas a
todo o tempo, vestem roupas de folhas e galhos, suas mulheres são extremamente
belas, parece que vivem todos em paz, em
sua grande maioria são velhos, acho que não teremos problemas em derrotá-los.
Esse povo se chama
Banedúim, e meus conceitos sobre eles foram extremamente precoces, apesar de
serem velhos se mostraram altamente habilidosos e corajosos, eles possuem algum
poder secreto, vi com meus próprios olhos um homem tocar uma árvore e vi ela
caminhar, não sei se é o local ou se estou perdendo meu juízo, preciso fazer
minhas preces.
Hoje perdi metade de
minha frota, eles estão nas árvores e no solo, parece que esse povo tem uma
conexão com o local, com a natureza em si.
Chegaram mais homens
de Jeh’khgar, vamos começar a invasão.
Novamente perdi
muitos homens, começo a duvidar se isso não é um sinal.
Prendemos um dos
selvagens, tentei interrogá-lo mas ele não falou nada que eu pudesse
compreender, mandei deixá-lo preso até decidir o que farei com ele.
O selvagem aprende
rápido, estou começando a entender o que ele quer me dizer, aparentemente o
homem deseja trair seu povo em troca de algo, não sei se isso me parece certo
mas darei uma chance ao velho, estou perdendo muitos homens, e eles estão
perdendo sua fé.
O selvagem se chama Tartos,
um nome extremamente estranho para mim e meus soldados, existe um poder secreto
em uma montanha, Belindor ele disse, o poder de trazer feras que voam pelos
ares, o selvagem diz que podemos usá-las para derrotar os Banedúim.
Fui reconhecer o
terreno da montanha essa manhã, e a vi colhendo flores em uma roseira tão
grande quanto um de nossos navios, não
consigo mais pensar em outra coisa, o selvagem disse que ela se chama Mélis,
estou decidido a não fazer mal a essa jovem.
Quando Nogard chegou
nessa parte seus olhos estavam cansados, o garoto colocou seu presente sob a
camisa e fechou os olhos, Jaoh’ndar e Mélis, foi a ultima coisa que o garoto
pensou antes de adormecer.
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