Capítulo
21 – Um Sentinela Nos Salões
Tudo estava acertado
entre Merlon e Mooner. Os Lordes perderiam seus títulos mas poderiam continuar
a comandar suas cidades, com a supervisão de homens de Porto Vitória, e da
coroa, mesmo que Arelon não soubesse nada sobre aquilo, provavelmente ainda
estava em sua cama, enfermo. Aquele julgamento seria apenas um capricho, que
Merlon não concordava, mas achou melhor não se impor.
A maioria dos homens
foram liberados, muitas Estrelas Negras já estavam em Força dos Homens a alguns
dias, se preparando para uma nova batalha, Merlon os encontraria após a
sentença de Mooner, na entrada da Passagem de Gotun. Aqueles Bulks ainda devem
estar presos naquele emaranhado de rochas, mas não ficarão ali por muito tempo,
este julgamento deve ser rápido, pensou Merlon.
Eles estavam ali, nos
salões de Mooner. Lá fora o dia brilhava, mas ali dentro estava escuro, mesmo
com os archotes acesos. Não se via tantas pessoas naquele salão a muitas
gerações, havia capitães, generais, pequenos senhores, dois lordes e muitos
soldados, além é claro de Ruivurso, Senhor de Porto Vitória, e Merlon, General
de Andor. Bancos foram colocados ao longo do salão, um grande grupo a direita e
outro a esquerda. Do lado esquerdo se sentavam todos os homens de bom
nascimento de Porto Vitória, do outro lado estavam alguns Senhores de Força dos
homens, Bolers, Viroon, Mafil e outros, que só não estavam ali à frente, para
serem julgados, pois Merlon convenceu Mooner de que eles estavam apenas
cumprindo ordens de de seus suseranos.
Ao longo das
paredes, onde antes estavam alguns soldados de Mooner, agora faziam guarda as
Marés de Outono, homens endurecidos pelo mar e pelas batalhas, apenas Fubrus
Gren não estava ali, ele estava nos portões, onde era mais necessário. Merlon
na verdade achava aquilo tudo pomposo demais para um julgamento, a traição de
Doufas e Mafilhem merecia a morte, mas Merlon convencera Mooner a não chegar a
esse extremo, obviamente Merlon estava pensando em soldados, números e lanças,
os Bulks ainda estavam ali e ele precisava das cidades, uma rebelião agora
seria a ultima coisa que ele precisava e certamente não haveria mortes ou
enforcamentos ali.
Mooner estava em seu
trono enorme, esparramado como pasta em um pão, seus cabelos ruivos e sua barba
escondiam uma enorme papada, estava com as mãos pousadas sobre a enorme
barriga, e fitava os homens ali a sua frente, com olhos de urso, cheios de ódio
e satisfação, o que não era de se estranhar, não se pode amar um homem hoje, se
esse homem tentou matá-lo ontem, pensou Merlon.
Em frente ao trono
de Mooner estavam duas figuras decrépitas, uma era Lorde Doufas, com seus olhos
frios e sua boca apertada em uma fina linha, a outra era Mafilhem, que não
parava de chorar um segundo sequer. Estavam com roupas simples, um longo manto
branco de lã pobre e estavam ajoelhados, lado a lado. Estavam mais magros e
muito sujos, Mooner concordou em não deixá-los nos calabouços mas não os
tratava como Lordes, não mais.
Merlon por sua vez
estava parado nos fundos do salão, ao lado das portas de entrada, que estavam
fechadas e guardadas por dois soldados. Fumava seu cachimbo e acariciava sua
barba, pensativo e apreensivo, o canto onde ele estava era escuro e longe dos
archotes, a brasa do cachimbo parecia acender Decadência em meio à escuridão,
uma fenda vermelha no escuro, o que se passava por trás daquela cicatriz, na
cabeça de Merlon, era de conhecimento de poucos. Nenhuma arma fora autorizada
ali, além das lanças das Marés de Outono e da espada de Merlon.
Ao lado de Mooner
estava seu arauto, Arierom, que Merlon conhecia a tempos, era um homem bondoso
e prestativo, vestia uma rica capa azulada, enfeitada com pedras preciosas, de
longas mangas e de pomposa gola, segurava em uma das mãos um enorme pergaminho,
o estendeu a sua frente e começou a ler, e foi ele quem quebrou o silêncio
mortal que pairava no salão.
- Esta é a
proclamação oficial de Lorde Mooner Ruivurso, Senhor de Porto Vitória, Capitão
dos Mares de Andor, Guardião do Oeste, de acordo com as leis de Andor e a
vontade da coroa, esta declarado o fim da Guerra do Oeste, como assim foi
apelidada pelo povo. – disse Arierom, sua voz era imponente e muito bela,
alcançava cada canto do salão e soava entre as colunas, nem uma palavra era
dita além das dele – A vitória foi dada aos Vitorinos através de desistência
dos Lordes de Porto Vitória e Fortaleza das Águas, que perderam a guerra em
solo para homens do mar.
Merlon olhou para
Mooner nesse momento e viu um sorriso brotar nos lábios do gordo Lorde, cuidado
velho urso, melhor não provocar as estrelas.
- Devido a extrema
bondade de nosso Senhor, Mooner Ruivurso – continuou lendo Arierom –, espólios
de guerra não serão tomados, nenhuma vida foi retirada, e os homens já voltaram
para suas casas e suas famílias. Declaro também, segundo o documento, que os
vassalos de Força dos Homens, que estão presentes aqui hoje como testemunhas,
nada sofrerão, de acordo com a vontade de nosso Senhor, Mooner Ruivurso, e
assinado por nosso General, Merlon.
Alguns olharam em
volta, tentando encontrar o velho mas poucos o acharam em meio às sombras, leia
rápido, meu bom Arierom, pois tenho um mau pressentimento, pensou Merlon.
- Digo ainda,
segundo o documento, que agora se dará o julgamento de Lorde Doufas, antigo
senhor de Força dos Homens...
- Antigo? –
perguntou Doufas, exaltado.
Arierom se calou a
fez uma reverência, de fato não podia questionar um Lorde, apenas estava lendo
o que estava escrito no documento, mas Mooner sabia disso e logo se adiantou.
- Antigo sim, e devo
lhe dizer ainda que se interromper meu arauto mais uma vez não retornará para
sua cidade, Lorde ou não.
Doufas ficou
vermelho como um tomate mas não disse mais nada.
- E Lorde Mafilhem,
antigo Senhor de Lago do Rei.
Mafilhem nada fazia
além de chorar, o Lorde estava acostumado com sedas e regalias, coisas que não
via desde que fora capturado no acampamento em Praça Jaoh’ndar.
- Pelos crimes de
traição e perjúrio, o julgamento se dará adiante, senhores. – Arierom fez uma
reverência a todos do salão, enrolou o pergaminho e deu um passo para trás.
Nesse momento Mooner
se inclinou para frente, recostou as mãos em seu queixo múltiplo.
- Vamos começar
pelas cobras menores, Mafilhem – o Lorde chorava ainda mais quando seu nome era
pronunciado, uma vergonha que não esqueceria tão cedo – o que você alega contra
as acusações que este documento levanta contra você? – perguntou Mooner.
Mafilhem não
conseguia falar, toda vez que tentava o choro e os soluços o interrompiam.
- Não importa, nada
do que fale fara diferença mesmo. – disse Mooner, e virou-se para Doufas, o
Lorde fitava o chão, estático – E quanto a você, Estrela Afogada, o que alega
diante das acusações.
- Desejo um
julgamento por combate! – disse Doufas.
Mooner riu
largamente.
- Não estamos em
Jeh’khgar meu senhor, aqui em Andor não temos julgamentos por batalha, pelo
menos a mais de quinhentos anos.
Doufas encarava o
gordo Lorde.
- Então me enfrente
em um duelo, ou será um covarde? – perguntou Doufas, provocando o gordo Lorde.
Mas Mooner era
esperto e não cairia nessa tentativa desesperada de Doufas.
- Desafia um gordo
velho, que não vê uma espada a mais de dez anos, para um duelo? Deve realmente
pensar que sou um tolo não? Não haverá batalhas nem duelos, sua sentença já foi
dada, por mim e por Merlon, e vocês devem muito a ele, pois foi ele quem me
convenceu a não enforca-los ou prende-los para toda a eternidade entre as
ondas. – disse Mooner, se levantando, com muito esforço – Escutem todas as
presentes testemunhas, eu, Mooner Ruivurso, condeno esses homens a serem
honestos e servirem Andor com honra, este será sua sentença, e devo dizer que
será de extrema dificuldade para os senhores cumpri-la.
Este golpe feriu
mais profundamente que qualquer lâmina, a troça de Ruivurso envergonhou não só
os condenados como também as testemunhas, palavras ditas que não voltariam
atrás nem em um milhão de anos. Mafilhem chorou e se jogou aos pés do trono,
Doufas baixou a cabeça por um momento, Mooner se virou e ia se retirando quando
Doufas ergueu sua cabeça, com arrogância.
- Quão honesto e
honrado é um homem que mata uma criança? – perguntou Doufas, fazendo Merlon se
lembrar do motivo de toda aquela guerra.
Doufas seu tolo.
Infelizmente Mooner
também se lembrou, o Lorde parou e virou com fúria em seus olhos.
- Lave a boca com
água do mar antes de levantar tal perjúrio, Estrela Afogada. – retrucou Mooner,
exaltado e com um dedo em riste.
- Assassino de
crianças, assuma seu ato!
Mooner tocou a faca
que carregava na cintura. Merlon afastou-se da parede a começou a caminhar com
rapidez até a frente do trono.
Mooner seu tolo.
- Mas uma palavra e
essa será sua ultima, Lorde verme. – disse Mooner.
Merlon chegou enfim.
- Acalmem-se vocês
dois – disse Merlon -, Doufas se cale, a sentença esta dada, sei que a
cumprirá, continuará como Senhor de Força dos Homens, e lutaremos lado a lado
contra....
- Não ligo para
Força, quero apenas vingar minha irmã, ou melhor, o filho que ela nunca teve.
Mooner estava
furioso, respirava com força e pesadamente.
- Não tolerarei tal
mentira, não em meus salões.
Doufas se levantou.
- Não tolerarei ser
vizinho de um assassino. – continuou Doufas.
Merlon não viu outra
alternativa, desferiu um golpe no estômago de Doufas e o pôs de joelhos
novamente, tentando calar o homem.
- Guardas – disse
Mooner, não, não diga isso, estávamos tão perto, Doufas seu tolo, Mooner seu
tolo, vão destruir o reino, pensou Merlon, sabendo o que viria a seguir –,
levem esses homens aos calabouços, e deixem ambos apodrecerem em meio às ondas.
- Não! – disse
Merlon, em alto e bom som – Mooner não foi isso que combinamos, pense melhor,
não vale a pena.
- Minha ordem esta
dada! – disse o gordo Lorde.
Os guardas começaram
a se aproximar, mais de cinquenta Marés de Outono estavam ali, Dragões me deem
força, pensou Merlon. E então desembainhou sua Mitrhiilden, deixando todos
pasmos, inclusive os soldados, que exitaram em avançar.
Uma tensão cega
tomou conta do salão, ninguém ousava dizer uma palavra sequer.
- Nenhum Lorde será
preso aqui hoje, existem Bulks grotescos vindo para cá nesse exato momento,
será que não percebem, precisamos de todos.
Mooner estava de
olhos arregalados, a visão de Merlon desafiando sua ordem de espada em mãos,
sobre o olhar de todos os seus capitães não o agradava em nada.
- Guarde sua lâmina,
amigo – disse Mooner -, eu não matei criança nenhuma e isso não é com você.
- Perdoe-me, urso
amigo, mas é problema de toda a Andor. – respondeu Merlon.
Mooner suspirou,
balançou a cabeça como se tivesse entendido o que Merlon disse.
- Guardas, não prendam
esses homens. – disse Mooner, para alivio geral – Matem-nos! A todos, matem a
Estrela Afogada, o chorão Mafilhem, Merlon e todos os senhores vassalos de
Força dos Homens aqui presentes.
Mas o que é isto?
Que tipo de brincadeira do destino é essa? pensou Merlon. Todos ficaram de pé e
começaram a praguejar contra os guardas, alguns incitando que os matassem logo
e outros pedindo misericórdia. Então Merlon segurou sua lâmina com ambas as
mãos e esperou eles virem. Os guardas se aproximavam com lanças de pontas
afiadas erguidas sobre a cabeça, e no momento em que começariam o massacre as
portas do salão se abriram com estrondo. A luz do dia entrou com um brilho
cegante, todos protegeram os olhos, e quando seus olhos se acostumaram com a
luminosidade eles puderam ver Fubrus Gren, Primeiro Capitão de Porto Vitória,
protetor do portão principal, estava acompanhado de um homem a cavalo, um homem
forte com uma armadura verde como um campo ao amanhecer, ele era um Sentinela,
montava um cavalo moribundo, repleto de cortes e ferimentos, trazia um elmo
partido e três longas flechas negras fincadas nas costas. A visão chocou a
todos. Nenhuma lança feriu, nenhuma ordem foi cobrada ou cumprida, nenhum
senhor tentou fugir ou correr por sua vida, todos ficaram ali, parados, com
bocas abertas e olhos mais abertos ainda, sem ar nos pulmões ou força em seus
braços.
- Bul... Bulks
vindos do Norte, os Post... Postos de Sentinelas caíram... Águais foi qu...
queimada, nós falhamos. – disse o Sentinela, com sangue escorrendo pelo queixo,
e caiu de seu cavalo, desmaiado, e só ai então foi que os homens perceberam,
aquilo que Merlon tentava lhes dizer a semanas, que além de cidades, títulos,
casas ou familias, todos estavam condenados, o Sul havia acordado, e o seu mal
crescia e se multiplicava.
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