quinta-feira, 9 de janeiro de 2014

Nove Dragões - A Lenda de Nogard

Capítulo 26 - Sentimentos


   Guillar raramente aparecia. Jih’ndo não queria atrapalhar o treinamento. E Arwen já não vinha a algumas semanas. 
  O fato do garoto não saber mais quem era seu pai o assombrou durante dias, mas agora ele começava a se conformar, não é culpa minha, nem dele, alguém deve ser o culpado, só não sei quem, pensava.
  Nogard estava cansado, mas não desistiria do treinamento. Tinha as mãos queimadas, da forja que ele havia descoberto ali em volta do pátio. Treinava durante o dia e o inicio da noite, e durante as poucas horas onde não estava treinando ficava na forja. Arwen já o havia procurado diversas vezes, para conversar ou fazer alguma travessura, para falar de histórias do passado ou de como seria quando fossem Cavaleiros, mas ele não tinha tempo para brincadeiras, precisava treinar com foco e forjar com precisão.
  Muitos dias estavam se passando e Nogard ainda não entendia aquele treinamento.. Dormia poucas horas e Rikkar Cruzanorte o acordava, cada vez mais cedo. Já havia carregado centenas de baldes com água por toda Pontas de Lança, polido dezenas de elmos, trocado ferraduras de cavalos, concertado telhados e cercas. Rikkar sempre o acompanhava, contando suas histórias, seus feitos e se vangloriando de como era bom guerreiro.
  - Você sabe de onde veio a Ilha de Fogo, jovem Nogard? – perguntou Rikkar.
  Nogard estava carregando um enorme bloco de gelo nas costas, que ele havia cortado com um machado sem cabo. Ele definitivamente não estava com ânimo para pensar em uma resposta.
  - Não sei, Senhor Rikkar. – disse o garoto, se esforçando para não derrubar o bloco.
  - Mas Rikkar Cruzanorte sabe, fui eu garoto, a muito tempo passei ali naquelas terras. Fumava meu cachimbo e queria me livrar da brasa, então peguei a brasa com as mãos e atirei-a no topo da montanha. Meses depois fiquei sabendo que ali havia se formado um enorme vulcão.
  Nogard achava aquilo meio absurdo, mas não era louco de desmentir Rikkar, se ele já me treina dessa maneira sem que eu diga nada, se eu contrariá-lo não sei o que ele fará, é capaz que eu nunca mais lute com uma espada, pensou o garoto. E de fato era isso que o incomodava. Nogard já estava treinando a cerca de dois meses e nesse período nunca havia usado sua espada, nem a sua nem qualquer outra. Mas mesmo assim Rikkar sempre pedia para o garoto traze-la. Ou Rikkar gostava da bela lâmina amarronzada do garoto, ou simplesmente estava pregando uma peça em Nogard.
  O garoto largou o enorme bloco de gelo no local indicado por seu treinador. Não sentia as costas devido ao contato com o gelo, então se aproximou da fogueira que havia ali.
  - Mas o que é isso? Está com frio, jovem Nogard? – perguntou Rikkar.
  - Sim, acho melhor vestir minha capa da próxima vez.
  Rikkar se sentou em um banco ao lado da fogueira, acendeu seu cachimbo, e deu uma baforada. Era um homem alto e corpulento, tinha um longo cabelo negro porém não possuía barba. Tinha uma cicatriz nos lábios, que ele jurava ter sido feita pelo mestre do Falso Rei, e não movia um de seus braços. O braço direito de Rikkar ficava constantemente repousando em uma tipoia, feita de couro, mesmo que ele não apresentasse nenhum ferimento ali. O enorme treinador de Nogard vestia uma armadura leve, feita de um couro grosseiro, que parecia realmente quente e aconchegante.
  - Ah, besteira, Rikkar Cruzanorte lutou na Baía das Algas contra Homens-peixe durante semanas. Foi uma luta selvagem no fundo do mar, eu estava completamente nu, e fazia um frio jamais visto antes, aquele foi o inverno mais terrível que Andor já presenciou. Se eu não fosse o maior guerreiro de todos os tempos teria perecido naquele local. Bobagem, eu digo, você não precisa de capa alguma.
  Nogard estranhava as histórias de Rikkar, mas também o temia. Se Rikkar fosse tão bom quanto dizia ser, o garoto se veria em um sério problema quando eles fossem, finalmente, treinar com espadas.
  - Senhor Rikkar. – chamou Nogard.
  - Sim filho, diga o que lhe incomoda.
  Espero que não fique zangado.
  - Quando iremos treinar verdadeiramente, digo... com espadas ou lanças?
  Rikkar soltou outra baforada de seu cachimbo e se levantou.
  - Agora mesmo, sim, está bem para você? – disse Rikkar.
  Nogard não esperava aquilo, não daquela maneira repentina.
  - Agora? Não posso, estou muito dolorido e minhas costas estão congelando.
  - Ora, você me pede um treino com espadas e depois não o aceita?
  Nogard se viu em uma enrascada, olhou para cima e o viu novamente. O grande Leão-da-neve.
  Ele estava deitado em uma falha da montanha, bem acima de onde eles estavam, mas os assistia com olhos curiosos. Já fazia algum tempo que ele vinha assistir o treino de Nogard, por mais de cinco vezes o garoto o tinha visto, uma mancha branca em meio ao gelo e a neve, algo difícil de se notar. O leão percebeu que Nogard o havia notado, se levantou calmamente e esticou as patas traseiras, deu um longo bocejo e o garoto pode ver suas enormes presas amareladas. Mudanças, Jih’ndo disse que você trará mudanças, espero que as coisas mudem para melhor, pois até agora só descobri coisas ruins a respeito dessa viagem, pensou Nogard ainda olhando o leão desaparecer em meio às rochas da montanha. Rikkar estalou os dedos, como se quisesse chamar a atenção do garoto. E conseguiu. Nogard olhou para a joia no cabo de Luxímera e ela brilhou à luz dos archotes. Deixou o felino em paz e decidiu, por fim, que lutaria com Rikkar. Se levantou e desembainhou Luxímera. Rikkar elogiou a lâmina.
  - É uma bela espada essa que você carrega, amanhã lhe contarei a história de como Rikkar Cruzanorte criou as espadas mágicas de Andor. – disse Rikkar, e pegou uma colher que estava sobre uma mesa ao lado do banco. Nogard estranhou aquilo.
  - Vai lutar com uma colher? E com o braço esquerdo? – perguntou o garoto, tremendo de frio.
  - Claro que não, não vamos lutar, vamos treinar. Acerte essa colher. – disse Rikkar levantando o talher à sua frente.
  Nogard segurou a espada com ambas as mãos e golpeou, com força e firmeza. Rikkar não moveu um músculo sequer. O golpe passou ao lado da colher e não a tocou. A espada desceu com força e brutalidade no solo do pátio, e cravou tão profundamente na montanha que apenas o cabo ficou exposto.
  O garoto se espantou com a sua força. Então Rikkar sorriu.
  - Estive treinando a sua força, jovem Nogard, durante dois meses. Creio que já esteja forte, agora começaremos a treinar sua agilidade e sua precisão. Agora vá embora, o treinamento acabou por hoje, volte amanhã, mais calmo, e saiba que quando a hora de lutar com espadas chegar, Rikkar Cruzanorte lhe dirá.
  Cruzanorte pediu licença ao garoto, que estava tentando remover a espada do piso com todas as suas forças, e a removeu como se fosse uma faca enfiada na manteiga.
  - Mas antes de ir – disse Rikkar -, como anda sua peça?
  Nogard não sabia que seu treinador tinha conhecimento de suas idas à forja. Mas não viu mau algum em contar. Rikkar podia ser muito rígido com o treinamento, e de fato não possuía nem um pouco de humildade, mas ele não era uma má pessoa.
  - Terminei ela ontem, ficou mais bela do que jamais pude imaginar, acho que é devido ao material que usei.
  Rikkar assentiu.
  - Seja um bom ferreiro e será um bom guerreiro, um antigo amigo sempre me dizia isso – Merlon dizia isso Rikkar, seu mentiroso, pensou o garoto – Um grande amigo aquele, depois lhe contarei como eu e Merlon expulsamos Bulks piratas dos mares de Nona Ilha. – não é mentira, Merlon já me disse algo sobre isso, o jovem pensou novamente, agora corrigindo seu julgamento – Bem, que bom então, espero que ela lhe seja útil. Forjei uma lâmina certa vez, passei dez anos dando atenção a ela, forjando cada centímetro a mão, sem malho, e temperando seu aço nas chamas de um Dragão. Quando terminei ela estava tão longa quanto uma árvore. Mas nenhuma lâmina pode suportar a força de Rikkar Cruzanorte, e quando eu golpeei ela se partiu em mil pedaços, que voaram pelos céus, foi assim que se formaram as estrelas. Agora vá, amanhã lhe chamarei bem cedo. – se despediu Cruzanorte, e subiu a montanha.
  Nogard chegou em seus aposentos, fechou a porta para fugir do frio e se enrolou em suas cobertas, serviu uma caneca de água e bebeu vigorosamente. Enfiou a mão sob o travesseiro e puxou o diário de Jaoh’ndar.
  Começou a ler.

  Não estamos prontos ainda mas eu decidi antecipar o ataque, muitos questionaram o motivo mas não posso lhes dizer. Mélis, a Bela, a Rainha de meus inimigos é o motivo.
  Chegamos à região da montanha, acamparemos aqui hoje e iremos explorá-la amanhã, nenhum sinal dos Bárbaros até agora.
  Saí no meio da tarde com a desculpa de que iria reconhecer o terreno, ela estava ali novamente, colhendo suas flores e seus morangos.
  Tive que fazer isso, não havia outra opção, sequestrei-a, mas não farei mal algum a ela, manterei ela em minha tenda afim de que meu povo não saiba de sua existência.
  Hoje saí com ela para caminhar pelos bosques, ela não está mais  assustada, vi belezas que jamais poderei contar. Ela me contou sobre a ligação dos Banedúim com a natureza, sobre como aquela terra pereceria se eles fossem exterminados.
  Um homem veio até nosso acampamento, estava sozinho e era mais alto que os outros Banedúim, seu nome é Artaroth e ele é o Rei dos Bárbaros. Ele veio em busca de sua mulher, Mélis.
  Chegamos aos pés da montanha, a entrada está livre mas muitos homens se aproximam do Oeste, são mais Banedúim do que eu jamais pude imaginar.
  O dia de hoje foi sangrento, muitos caíram de ambos os exércitos, tanto Jeh’khgari quanto Banedúim, Mélis parece estranhamente tranquila, ela disse já saber que aquilo aconteceria.
  Entramos na caverna mas estamos presos, muitos Banedúim cercaram a montanha. Encontramos o artefato do qual Tartos havia falado, é um cajado muito belo e brilhante. Dorean pronunciou as palavras que Tartos lhe ensinou e todos puderam ouvir os rugidos das feras ala...

  Arwen entrou no quarto sem bater, Nogard deu um pulo e escondeu o livro.
  - Olá senhor Nogard, Lorde do Treino, será que ainda se lembra que tem uma amiga chamada Arwen? – perguntou Arwen com os braços cruzados.
  - Claro que me lembro Arwen, só não tinha tempo para brincadeiras, Rikkar está me matando com seu treinamento e a forja...
  - Uma forja? Você saiu de Ferro Forte, onde tínhamos forjas até nos nossos jardins, para vir até o Norte, e ficar todas as noites em uma forja? Francamente Nogard essa desculpa não me convenceu, se não quer mais me ver apenas diga..
  - Acalme-se Arwen, você está se precipitando. – disse Nogard.
Nogard ofereceu uma cadeira para Arwen se sentar. Mas ela recusou, estava brava com ele.
  - Não obrigado, não quero lhe importunar, vim aqui para te fazer uma pergunta, e dependendo da sua resposta nunca mais atrapalharei seu precioso treinamento, nem essa forja estupida.
  - Ar...
  - Que dia é hoje? – perguntou Arwen. Com lágrimas em seus olhos – Me diga Nogard, apenas isso, que dia é hoje?
  Nogard não respondeu, apenas se abaixou ao lado da cama e enfiou um braço na escuridão.
  - O que você está fazendo? Você nem está me ouvindo! Responda a minha pergunta Nog. Que dia é hoje? – perguntou Arwen uma última vez, chorando de raiva.
  O garoto puxou um longo embrulho debaixo da cama, estava enrolado em couro fino. Nogard desatou o cordame que fechava o embrulho e retirou sua peça. Ele havia demorado muito tempo para terminá-la, os malhos de Pontas de Lança eram muito leves, e ali faltavam muitos equipamentos. A Prata-Sentimental endurecia de uma forma surpreendente depois de aquecida e resfriada muitas vezes. Suas mãos ficaram cheias de bolhas mesmo nos primeiros dias, mas ele não desistiu. No décimo dia ela estava pronta, então ele começou a afiá-la, e isso se mostrou mais difícil ainda. Durante trinta dias Nogard a martelou, a esquentou e esfriou, e por fim a deixou afiada. O cabo foi feito da mesma maneira, de uma forma que a espada, o cabo e o guarda-mão fossem uma única peça. Ele entalhou alguns dizeres na lâmina, com todo cuidado e carinho, ali dizia, a amizade nunca morre. Nos últimos dias Nogard apenas temperou o aço. Sem um fole adequado o garoto incitava as brasas assoprando com força ou abanando com algo, o que se mostrou muito exaustivo, levando em consideração o treinamento de Rikkar Cruzanorte. Mas mesmo assim ele concluiu sua peça.
  - Uma espada! – disse Arwen, pegando a espada de Nogard.
  A espada era cinzenta como a lua e emitia um fraco brilho prateado. Nogard tinha usado quase todo o frasco de Prata-Sentimental para fazê-la. Edaliom lhe disse que ele deveria fazer anéis e braceletes para seus amigos, mas Nogard se importava demais com Arwen. Então decidiu lhe fazer uma espada, com as próprias mãos, e nela ele pôs todos os seus sentimentos por Arwen, sua amiga.
  Nesse momento a garota teve uma surpresa, seus olhos estavam abertos mas ela parecia não ver mais a sala, ela via agora mais do que havia ali no quarto. E muitas coisas passaram por seus olhos.
  Ela viu toda a amizade que Nogard sentia por ela, uma amizade de muito valor. Viu e sentiu, todo o cuidado e preocupação que o garoto sentia por ela, como se ela fosse a coisa mais importante da vida dele. Sentiu enfim o medo que Nogard sentia em perdê-la. De repente Arwen viu Dragões, nove Dragões sobre um enorme castelo de cristal, mas um por um eles foram caindo, derrubados por uma sombra, a garota quis gritar por ajuda mas então percebeu, que eles caíam nos braços de Nogard, que ali se mostrava como um gigante de longos cabelos negros. Mas havia um sentimento que a garota não conseguiu identificar, um sentimento puro e verdadeiro, que ela não sabia qual era. Então ela voltou para a sala, e Nogard sorria à sua frente.
  - Feliz aniversário, Arwen. – disse o garoto – Este é o seu presente.
  E Arwen o abraçou, chorando novamente, mas dessa vez, chorando de felicidade.
  - E então como vai chama-la? – perguntou o garoto, que esperava algo como, amizade eterna, ou, força dos amigos.
  Mas essa não era a Arwen que ele conhecia. Ela leu as inscrições, passou os olhos por toda a lâmina, testou o seu peso e se lembrou daquilo que a intimidava, a única coisa em Andor que a fazia ter pesadelos. Brandiu a espada no ar e cortou as três velas que estavam sobre a escrivaninha, o corte foi tão suave que elas continuaram de pé.
  - Se chamará Pugnatrix, e será a combatente de todos os Bulks de Andor, enquanto eu a tiver.





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