sexta-feira, 13 de dezembro de 2013

Nove Dragões - A Lenda de Nogard

Capítulo 14 – Música E Vinho



   Os primeiros cinco dias de viagem foram tão enfadonhos e cansativos quanto podiam ser, os Ponta Lancenses viajavam rápido, cavalgando a maior parte do tempo, e não se podia conversar com muita frequência ou apreciar o cenário, comiam na sela e cavalgavam, inclusive, durante a noite. Os Pontas Lancenses pareciam procurar pelo desafio dos Bulks errantes de Andor, mas se decepcionavam, noite após noite, para a alegria de Arwen, que havia nutrido um pequeno trauma por tais criaturas. Nogard ficava cada vez mais maravilhado com a beleza de Andor, a montanha central era de um azul encantador ao meio-dia quando começava a escurecer, pela manha possuía um tom alaranjado que Arwen adorava, os campos eram belos e repletos de animais, o jovem se perguntava constantemente como os primeiros povos de Andor faziam para ser tão próximos da natureza, como Merlon havia dito, certamente seria uma duvida que o atormentaria durante a jornada.
  Jih’ndo era a única companhia dos jovens. Arwen através de uma infinidade de perguntas havia descoberto que ele amava uma linda donzela, mas que seu amor era desprezado. O Jeh’khgari era meigo e atencioso com Nogard e Arwen, de tempos em tempos acenava para um de seus homens, afim de lhes pedir algum alimento para mordiscarem, mesmo fora do horário das refeições.
  Enfim ao final do quinto dia chegaram á vila de Curva. Curva da Montanha ficava no extremo Leste das montanhas centrais, era uma vila pequena, possuía uma alta muralha de madeira que circundava todo o povoado, feita com troncos de árvores, cortados e sobrepostos, sob a área externa de cada face da madeira, havia uma figura, desenhos que Nogard achou horríveis, não por retratarem coisas ruins mas por parecerem desenhos de uma criança, eram tão simples e tão rabiscados que mau podia-se distinguir um cavalo de uma vaca.
  - Que desenhos são esses Jih’ndo?. – perguntou Nogard, quando os Ponta Lancenses diminuíram sua marcha devido à ordem de seu Senhor.
  - São escritos Banedúim, os primeiros povos de Andor, se comunicavam através dessas imagens, Curva da Montanha é uma das poucas vilas que permanece exatamente como era, em tempos atrás. Os Banedúim viveram aqui durante anos, esses são seus desenhos, para proteção como aquele homem com um enorme escudo sobre a cabeça, advertência, como aquele emaranhados de linhas sobre um circulo, que representa o sol, e sobre magia, este é aquele homem alto e com uma longa barba. – havia um homem na estrada, e se parecia muito com o Maegi mau desenhado das toras da vila.
  Os cavalos finalmente pararam, e pode-se ouvir a voz de Lorde Grum, que estava calada a cinco dias.
  - Alto! – ordenou o Lorde para o grupo.
  O homem que estava na estrada era alto e possuía uma longa barba, sua barba era tão longa que lhe tocava a cintura, porém não era volumosa e parecia muito leve e bem cuidada, não era corpulento, mas parecia forte, estava ao lado de um saco sujo e esfarrapado, que estava cheio até a boca. Nogard estranhou o fato do homem estar desequilibrado e quase caindo, que estranho, este homem me lembra Merlon em algumas ocasiões na Taverna do Lumber-meio-nariz, pensou o garoto. Parecia que ia desmaiar a qualquer momento, movia-se dois passos para frente e depois um passo para trás, novamente ia da esquerda para a direita e vice-versa, e a todo momento sorria alegremente. Trajava uma enorme capa verde, que lhe cobria as costas por completo e trazia um alaúde nos ombros, tão sujo e velho quanto o seu dono.
  A vila estava a poucos metros agora, mas Grum dirigiu-se ao homem.
  - Você, Bardo, conhece As Serpentes do Leste?
  O homem prontamente começou a tocar seu alaúde, o som era suave e bonito, começou a cantar uma canção, sua voz era tão ébria e confusa que Nogard e Arwen começaram a dar risinhos em suas selas, a música contava a história dos primeiros Jeh’khgari que chegaram a Andor, e nela retratava-os como homens belos e corajosos, que perderam centenas de batalhas mas nunca desistiram de sua luta, e pela primeira vez em dias, viram Lorde Grum sorrir.



  Do Leste vem os que cavalgam a conquista

  E a coragem ornamenta seu estandarte,

  Aqueles que dançam com a morte

  Nos bailes dos Maegis e sua arte.



  Bárbaros com seus machados de guerra

  Escondidos em sua magia do Ocidente,

  Resistem em sua covardia por não possuírem

  Assim como os Jeh’khgar, um coração valente.



  Bravura afia suas espadas

  Com escudos adornados de destreza,

  O medo ao guerreiro Jeh’khgar não alcança

  Pois o fim da vida em batalha, esconde a beleza.



  Dragões, poções de nuvens de veneno,

  Fogo engarrafado e salamandras ardentes,

  Pobres Baneduíns e seus Maegís

  Caluniam os bravos do Leste nomeando-os Serpentes.



  Arwen no entanto não podia deixar de perguntar, a garota percebia coisas nos ares, coisas que Nogard nem sabiam que estavam ali, talvez por ser mais velha, talvez por ser mais astuta.
  - Mas se eles perderam todas as batalhas – arrumou os cabelos sobre a cabeça – por que ganharam uma canção?
  Jih’ndo sorriu em silêncio. O bardo continuava a cantar sua bela canção. Lorde Grum virou seu cavalo para a jovem garota em seu vestido florido.
  - Este é o costume Jeh’khgari, menina, não se deve recuar perante o perigo, não importa quão grande ele seja. A escória Banedúim lutava como covardes, utilizavam-se de enormes machados de guerra e de magias secretas, mas os Jeh’khgari utilizavam-se apenas de suas habilidades e suas lanças.
  - Mas foram os Jeh’khgari que invadiram Andor, eles estavam apenas se defendendo. – disse Arwen.
  Lorde Grum virou a cabeça e cuspiu, fazia aquilo com frequência quando lidava com algo que não gostava ou concordava.
  - Este é o ensinamento de Joh’han, jamais recuar, e expandir o seu reino, os Jeh’khgari não invadiram Andor, essa terra já pertencia a Joh’han, fomos apenas as ferramentas que o Deus verdadeiro escolheu, para levar seu nome e sua glória para o Oeste.
  - Como os Jeh’khgari venceram os Banedúim? – perguntou Nogard, em um tom sussurrante, para Jih’ndo.
  - Dragões. – sussurrou de volta, o rico e belo Senhor.
  - O que? – perguntou Nogard, surpreso.
  - Meu povo não teria chance contra os Banedúim, Nogard, então eles convocaram os Dragões.
  - Mas como eles conseguiram convocar os Dragões, eles não são criaturas de Andor?
  Jih’ndo acariciou a pelagem de seu cavalo.
  - Magia, Nogard, magia Banedúim, quanto ao motivo... ou eles bebiam demais ou estavam cansados de lutar. Quando tiver a oportunidade pergunte para Merlon, ele certamente saberá te responder mais amplamente.
  Nogard ficou imensamente confuso com a informação de Jih’ndo, eles derrotaram os Banedúim, convocando os Dragões, através de uma magia, magia dos Banedúim? Isso não faz sentido, por que os Banedúim entregariam sua magia para os Jeh’khgari destruí-los? Refletiu o garoto.
  Nogard olhou para o bardo, de cima de seu Arkas, enquanto Arwen e Grum discutiam sobre os motivos da invasão Jeh’khgari, pelos Dragões, então é isso, este homem esta completamente bêbado, concluiu o garoto. O velho o fitou e sorriu, pôs a mão no peito por sob a barba e fez uma reverência, sem parar de cantar e cambalear.
  - Como se chama, senhor bardo? – perguntou Nogard.
  O homem sorriu mais uma vez, suas bochechas estavam vermelhas e seus olhos brilhavam.
  - Me chamo Guillar, O Bardo Bêbado eles dizem, mas não os leve tão a sério – a voz do homem era completamente ébria -, um bêbado é um homem que não esta em seu estado natural devido à bebida, eu lhe garanto que este é meu estado natural, a bebida apenas me ajuda a mante-lo, e será uma honra acompanha-los, preciso apenas de algum bom vinho, nada de moedas e ouro ou prata, apenas vinho. – respondeu o bardo e gargalhou, e seu riso era semelhante ao canto de um joão-de-barro.
  Nogard gostou do homem, apesar de saber que beber daquela maneira não era recomendado, sua mãe sempre o advertiu a não beber, ela dizia que o homem que bebe faz o que não deve e fala o que não quer, mesmo assim Nogard sorriu e gostou do Bardo Bêbado.
  Jih’ndo se adiantou, viu um bom negócio à sua frente e não ia desperdiça-lo, era um grande conforto ter um bardo em uma longa viagem, e um belo entretenimento.
  - Estamos indo para Pontas de Lança, ficaremos aqui em Curva apenas alguns minutos, se quiser pode vir conosco, como meu convidado, esta viagem está bem enfadonha a meu ver, porém – Jih’ndo fez questão de lembrar -, seu pagamento será como requiriu, vinho e nada mais.
  Guillar fez uma reverência, quase caiu para frente mas conseguiu se equilibrar novamente e sorriu.
  Por fim tocaram a sineta no portão da vila, um homem jovem, ainda mastigando algum alimento, abriu uma portinhola, o suficiente para por a cabeça pelo vão.
  - O que desejam? – perguntou o homem que guardava o portão.
  - Algumas provisões e um cavalo extra, não permaneceremos na vila.
  O homem estreitou seus olhos com desconfiança.
  - Como vão pagar pelos serviços?
  - Perdoe-me, sou Jih’ndo.- disse Jih’ndo, tão e simplesmente.
  O homem abriu a porta de imediato, Nogard e Arwen ficaram do lado de fora da vila, com três Ponta Lancenses, eram altivos e sérios, montavam seus cavalos castanhos e tocavam o solo com o cabo de suas enormes lanças, pareciam estátuas vivas, Nogard torceu para não ficar tão sério com o treinamento, mordeu o lábio e tocou o cabo de Luximera.
  - Então senhor Guillar – disse Arwen -, como é ser um bardo em Andor? Aposto que conhece muitas histórias e canções.
  Guillar fuçava em seu saco, virou-se para Arwen com ar débil.
  - Ó sim, é claro, viajei por toda Andor e tenho histórias e canções de todas as Nove Cidades, que eles erroneamente chamam de livres, de Elmo de Gelo à Força dos Homens, da extinta Bolkur até Nona ilha, andei por todas e cantei minhas palavras – Apontou um dedo que se movia de um lado para o outro completamente desengonçado -, mas não vi nada de livre nas Nove Cidades, somos todos prisioneiros em um continente antigo e ameaçado pelo Sul, nove países, isso não é liberdade, e o que são canções se não histórias minha pequenina Jeh’khgari.
  Arwen se sentiu ofendida pelo comentário, nunca antes havia sido chamada de Jeh’khgari.
  - Perdoe-me senhor, mas esta me confundindo com alguém, sou uma Andorina, de Bolkur.
  O Bardo Bêbado riu novamente, era o mesmo riso engraçado de antes.
  - Toda a Andor esta misturada minha pequena Bolkuriana, Jeh’khgaris estão por todos os lados, pouco restou do sangue Banedúim, mas dizem que apenas uma gota desse sangue mágico pode mudar uma pessoa, e perdoe-me por dizer mas a senhorita não tem essa gota.
  - E como o senhor pode afirmar isso? – perguntou Arwen, ainda chocada.
  O velho cambaleou de um lado para outro, retirou um cantil do seu saco e deu um longo gole, limpou a boca com a manga da camisa.
  - Perdoe-me, o seu nome é Arwen? – perguntou Guillar fingindo não se lembrar do nome da garota – Receio que não tenha bebido muito ultimamente e já começo a ficar sóbrio, terrível essa sobriedade, sempre vem acompanhada de uma grande dor de cabeça, devo ter confundido a senhorita com uma outra Bolkuriana. – e deu um outro gole em seu cantil.
  Jih’ndo chegou, estava acompanhado de seus criados, Grum e seus sete Ponta Lancenses restantes, traziam os cavalos completamente carregados com provisões e um cavalo extra para Guillar, cortesia de Jih’ndo.
  Assim que o Bardo Bêbado pegou as rédeas, Jih’ndo o interrompeu.
  - Posso perguntar de onde é, senhor? – perguntou Jih’ndo, que sabia de muitas coisas e não gostava de não saber de algo.
  O Bardo Bêbado chamou-o para perto, Jih’ndo se aproximou, Guillar novamente o chamou com o dedo, para mais perto ainda, quando o Jeh’khgari se aproximou o suficiente o bardo colou sua boca no ouvido do homem, seu hálito era fortíssimo, e cochichou.
  - Não, não pode.
  Jih’ndo, recuou, encarou o homem seriamente, pensou em deixa-lo, sem cavalo nem vinho, mas então sorriu abertamente.
  - Gostei de você, Bardo Guillar, é espirituoso, isso me agrada.
  - Então case-se com ele – interrompeu bruscamente Lorde Grum -, mas só depois de chegarmos a Pontas de Lança, homens, marchar! – ordenou.
  E eles foram, em direção ao Norte, em direção a Angur.

  Espero que Merlon não brigue comigo por isso, estava cansado daquela caverna fria, além do frio não havia mais nem uma gota de vinho, pensou Guillar, montou seu cavalo emprestado e seguiu o grupo, rumo à Pontas de Lança, decidido a ficar de olho em Nogard e Arwen.



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