Capítulo
14 – Música E Vinho
Os primeiros cinco
dias de viagem foram tão enfadonhos e cansativos quanto podiam ser, os Ponta
Lancenses viajavam rápido, cavalgando a maior parte do tempo, e não se podia
conversar com muita frequência ou apreciar o cenário, comiam na sela e
cavalgavam, inclusive, durante a noite. Os Pontas Lancenses pareciam procurar
pelo desafio dos Bulks errantes de Andor, mas se decepcionavam, noite após
noite, para a alegria de Arwen, que havia nutrido um pequeno trauma por tais
criaturas. Nogard ficava cada vez mais maravilhado com a beleza de Andor, a
montanha central era de um azul encantador ao meio-dia quando começava a
escurecer, pela manha possuía um tom alaranjado que Arwen adorava, os campos
eram belos e repletos de animais, o jovem se perguntava constantemente como os
primeiros povos de Andor faziam para ser tão próximos da natureza, como Merlon
havia dito, certamente seria uma duvida que o atormentaria durante a jornada.
Jih’ndo era a única
companhia dos jovens. Arwen através de uma infinidade de perguntas havia
descoberto que ele amava uma linda donzela, mas que seu amor era desprezado. O
Jeh’khgari era meigo e atencioso com Nogard e Arwen, de tempos em tempos
acenava para um de seus homens, afim de lhes pedir algum alimento para
mordiscarem, mesmo fora do horário das refeições.
Enfim ao final do
quinto dia chegaram á vila de Curva. Curva da Montanha ficava no extremo Leste
das montanhas centrais, era uma vila pequena, possuía uma alta muralha de
madeira que circundava todo o povoado, feita com troncos de árvores, cortados e
sobrepostos, sob a área externa de cada face da madeira, havia uma figura, desenhos
que Nogard achou horríveis, não por retratarem coisas ruins mas por parecerem
desenhos de uma criança, eram tão simples e tão rabiscados que mau podia-se
distinguir um cavalo de uma vaca.
- Que desenhos são
esses Jih’ndo?. – perguntou Nogard, quando os Ponta Lancenses diminuíram sua
marcha devido à ordem de seu Senhor.
- São escritos
Banedúim, os primeiros povos de Andor, se comunicavam através dessas imagens,
Curva da Montanha é uma das poucas vilas que permanece exatamente como era, em
tempos atrás. Os Banedúim viveram aqui durante anos, esses são seus desenhos,
para proteção como aquele homem com um enorme escudo sobre a cabeça,
advertência, como aquele emaranhados de linhas sobre um circulo, que representa
o sol, e sobre magia, este é aquele homem alto e com uma longa barba. – havia
um homem na estrada, e se parecia muito com o Maegi mau desenhado das toras da
vila.
Os cavalos
finalmente pararam, e pode-se ouvir a voz de Lorde Grum, que estava calada a
cinco dias.
- Alto! – ordenou o
Lorde para o grupo.
O homem que estava
na estrada era alto e possuía uma longa barba, sua barba era tão longa que lhe
tocava a cintura, porém não era volumosa e parecia muito leve e bem cuidada,
não era corpulento, mas parecia forte, estava ao lado de um saco sujo e
esfarrapado, que estava cheio até a boca. Nogard estranhou o fato do homem
estar desequilibrado e quase caindo, que
estranho, este homem me lembra Merlon em algumas ocasiões na Taverna do
Lumber-meio-nariz, pensou o garoto. Parecia que ia desmaiar a qualquer
momento, movia-se dois passos para frente e depois um passo para trás,
novamente ia da esquerda para a direita e vice-versa, e a todo momento sorria
alegremente. Trajava uma enorme capa verde, que lhe cobria as costas por
completo e trazia um alaúde nos ombros, tão sujo e velho quanto o seu dono.
A vila estava a
poucos metros agora, mas Grum dirigiu-se ao homem.
- Você, Bardo,
conhece As Serpentes do Leste?
O homem prontamente
começou a tocar seu alaúde, o som era suave e bonito, começou a cantar uma
canção, sua voz era tão ébria e confusa que Nogard e Arwen começaram a dar
risinhos em suas selas, a música contava a história dos primeiros Jeh’khgari
que chegaram a Andor, e nela retratava-os como homens belos e corajosos, que
perderam centenas de batalhas mas nunca desistiram de sua luta, e pela primeira
vez em dias, viram Lorde Grum sorrir.
Do Leste vem os que cavalgam a conquista
E a coragem ornamenta seu
estandarte,
Aqueles que dançam com a morte
Nos bailes dos Maegis e sua
arte.
Bárbaros com seus machados de
guerra
Escondidos em sua magia do
Ocidente,
Resistem em sua covardia por
não possuírem
Assim como os Jeh’khgar, um
coração valente.
Bravura afia suas espadas
Com escudos adornados de
destreza,
O medo ao guerreiro Jeh’khgar
não alcança
Pois o fim da vida em batalha,
esconde a beleza.
Dragões, poções de nuvens de
veneno,
Fogo engarrafado e salamandras
ardentes,
Pobres Baneduíns e seus Maegís
Caluniam os bravos do Leste
nomeando-os Serpentes.
Arwen no entanto não
podia deixar de perguntar, a garota percebia coisas nos ares, coisas que Nogard
nem sabiam que estavam ali, talvez por ser mais velha, talvez por ser mais
astuta.
- Mas se eles
perderam todas as batalhas – arrumou os cabelos sobre a cabeça – por que
ganharam uma canção?
Jih’ndo sorriu em
silêncio. O bardo continuava a cantar sua bela canção. Lorde Grum virou seu
cavalo para a jovem garota em seu vestido florido.
- Este é o costume
Jeh’khgari, menina, não se deve recuar perante o perigo, não importa quão
grande ele seja. A escória Banedúim lutava como covardes, utilizavam-se de
enormes machados de guerra e de magias secretas, mas os Jeh’khgari
utilizavam-se apenas de suas habilidades e suas lanças.
- Mas foram os
Jeh’khgari que invadiram Andor, eles estavam apenas se defendendo. – disse
Arwen.
Lorde Grum virou a
cabeça e cuspiu, fazia aquilo com frequência quando lidava com algo que não
gostava ou concordava.
- Este é o
ensinamento de Joh’han, jamais recuar, e expandir o seu reino, os Jeh’khgari
não invadiram Andor, essa terra já pertencia a Joh’han, fomos apenas as
ferramentas que o Deus verdadeiro escolheu, para levar seu nome e sua glória
para o Oeste.
- Como os Jeh’khgari
venceram os Banedúim? – perguntou Nogard, em um tom sussurrante, para Jih’ndo.
- Dragões. –
sussurrou de volta, o rico e belo Senhor.
- O que? – perguntou
Nogard, surpreso.
- Meu povo não teria
chance contra os Banedúim, Nogard, então eles convocaram os Dragões.
- Mas como eles
conseguiram convocar os Dragões, eles não são criaturas de Andor?
Jih’ndo acariciou a
pelagem de seu cavalo.
- Magia, Nogard,
magia Banedúim, quanto ao motivo... ou eles bebiam demais ou estavam cansados
de lutar. Quando tiver a oportunidade pergunte para Merlon, ele certamente
saberá te responder mais amplamente.
Nogard ficou
imensamente confuso com a informação de Jih’ndo, eles derrotaram os Banedúim, convocando os Dragões, através de uma
magia, magia dos Banedúim? Isso não faz sentido, por que os Banedúim entregariam
sua magia para os Jeh’khgari destruí-los? Refletiu o garoto.
Nogard olhou para o
bardo, de cima de seu Arkas, enquanto Arwen e Grum discutiam sobre os motivos
da invasão Jeh’khgari, pelos Dragões,
então é isso, este homem esta completamente bêbado, concluiu o garoto. O
velho o fitou e sorriu, pôs a mão no peito por sob a barba e fez uma
reverência, sem parar de cantar e cambalear.
- Como se chama,
senhor bardo? – perguntou Nogard.
O homem sorriu mais
uma vez, suas bochechas estavam vermelhas e seus olhos brilhavam.
- Me chamo Guillar,
O Bardo Bêbado eles dizem, mas não os leve tão a sério – a voz do homem era
completamente ébria -, um bêbado é um homem que não esta em seu estado natural
devido à bebida, eu lhe garanto que este é meu estado natural, a bebida apenas
me ajuda a mante-lo, e será uma honra acompanha-los, preciso apenas de algum
bom vinho, nada de moedas e ouro ou prata, apenas vinho. – respondeu o bardo e
gargalhou, e seu riso era semelhante ao canto de um joão-de-barro.
Nogard gostou do
homem, apesar de saber que beber daquela maneira não era recomendado, sua mãe
sempre o advertiu a não beber, ela dizia que o homem que bebe faz o que não
deve e fala o que não quer, mesmo assim Nogard sorriu e gostou do Bardo Bêbado.
Jih’ndo se adiantou,
viu um bom negócio à sua frente e não ia desperdiça-lo, era um grande conforto
ter um bardo em uma longa viagem, e um belo entretenimento.
- Estamos indo para
Pontas de Lança, ficaremos aqui em Curva apenas alguns minutos, se quiser pode
vir conosco, como meu convidado, esta viagem está bem enfadonha a meu ver,
porém – Jih’ndo fez questão de lembrar -, seu pagamento será como requiriu,
vinho e nada mais.
Guillar fez uma
reverência, quase caiu para frente mas conseguiu se equilibrar novamente e
sorriu.
Por fim tocaram a
sineta no portão da vila, um homem jovem, ainda mastigando algum alimento,
abriu uma portinhola, o suficiente para por a cabeça pelo vão.
- O que desejam? –
perguntou o homem que guardava o portão.
- Algumas provisões
e um cavalo extra, não permaneceremos na vila.
O homem estreitou
seus olhos com desconfiança.
- Como vão pagar
pelos serviços?
- Perdoe-me, sou
Jih’ndo.- disse Jih’ndo, tão e simplesmente.
O homem abriu a
porta de imediato, Nogard e Arwen ficaram do lado de fora da vila, com três
Ponta Lancenses, eram altivos e sérios, montavam seus cavalos castanhos e
tocavam o solo com o cabo de suas enormes lanças, pareciam estátuas vivas,
Nogard torceu para não ficar tão sério com o treinamento, mordeu o lábio e tocou
o cabo de Luximera.
- Então senhor
Guillar – disse Arwen -, como é ser um bardo em Andor? Aposto que conhece
muitas histórias e canções.
Guillar fuçava em
seu saco, virou-se para Arwen com ar débil.
- Ó sim, é claro,
viajei por toda Andor e tenho histórias e canções de todas as Nove Cidades, que
eles erroneamente chamam de livres, de Elmo de Gelo à Força dos Homens, da
extinta Bolkur até Nona ilha, andei por todas e cantei minhas palavras –
Apontou um dedo que se movia de um lado para o outro completamente desengonçado
-, mas não vi nada de livre nas Nove Cidades, somos todos prisioneiros em um
continente antigo e ameaçado pelo Sul, nove países, isso não é liberdade, e o
que são canções se não histórias minha pequenina Jeh’khgari.
Arwen se sentiu
ofendida pelo comentário, nunca antes havia sido chamada de Jeh’khgari.
- Perdoe-me senhor,
mas esta me confundindo com alguém, sou uma Andorina, de Bolkur.
O Bardo Bêbado riu
novamente, era o mesmo riso engraçado de antes.
- Toda a Andor esta
misturada minha pequena Bolkuriana, Jeh’khgaris estão por todos os lados, pouco
restou do sangue Banedúim, mas dizem que apenas uma gota desse sangue mágico
pode mudar uma pessoa, e perdoe-me por dizer mas a senhorita não tem essa gota.
- E como o senhor
pode afirmar isso? – perguntou Arwen, ainda chocada.
O velho cambaleou de
um lado para outro, retirou um cantil do seu saco e deu um longo gole, limpou a
boca com a manga da camisa.
- Perdoe-me, o seu
nome é Arwen? – perguntou Guillar fingindo não se lembrar do nome da garota –
Receio que não tenha bebido muito ultimamente e já começo a ficar sóbrio,
terrível essa sobriedade, sempre vem acompanhada de uma grande dor de cabeça,
devo ter confundido a senhorita com uma outra Bolkuriana. – e deu um outro gole
em seu cantil.
Jih’ndo chegou,
estava acompanhado de seus criados, Grum e seus sete Ponta Lancenses restantes,
traziam os cavalos completamente carregados com provisões e um cavalo extra
para Guillar, cortesia de Jih’ndo.
Assim que o Bardo
Bêbado pegou as rédeas, Jih’ndo o interrompeu.
- Posso perguntar de
onde é, senhor? – perguntou Jih’ndo, que sabia de muitas coisas e não gostava
de não saber de algo.
O Bardo Bêbado
chamou-o para perto, Jih’ndo se aproximou, Guillar novamente o chamou com o
dedo, para mais perto ainda, quando o Jeh’khgari se aproximou o suficiente o
bardo colou sua boca no ouvido do homem, seu hálito era fortíssimo, e
cochichou.
- Não, não pode.
Jih’ndo, recuou,
encarou o homem seriamente, pensou em deixa-lo, sem cavalo nem vinho, mas então
sorriu abertamente.
- Gostei de você,
Bardo Guillar, é espirituoso, isso me agrada.
- Então case-se com
ele – interrompeu bruscamente Lorde Grum -, mas só depois de chegarmos a Pontas
de Lança, homens, marchar! – ordenou.
E eles foram, em
direção ao Norte, em direção a Angur.
Espero que Merlon não brigue comigo por isso, estava cansado daquela
caverna fria, além do frio não havia mais nem uma gota de vinho, pensou
Guillar, montou seu cavalo emprestado e seguiu o grupo, rumo à Pontas de Lança,
decidido a ficar de olho em Nogard e Arwen.
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