- O que, em nome
das Nove Ilhas, vocês estão fazendo aqui? – perguntou Merlon, despejando sua
cerveja no chão da clareira.
Hi, ele não gosta de desperdiçar cerveja, pensou Nogard que já
estava em uma situação delicada. O tom de voz de Merlon não era agressivo,
porem era sério e compenetrado, possuía uma voz áspera como se tivesse alguma
coisa na garganta, apesar de ser um velho tinha um corpo largo e forte, era
forte demais para sua idade e a forma com que arremessou a lança provava que
ainda sabia lutar, estava vestido com uma longa capa cinzenta e seus cabelos
eram tão brancos e longos quanto sua barba, a idade e o malho faziam com que
ele ficasse mais corcunda a cada dia, seu rosto era marcado pelos incontáveis
anos que serviu o Rei Arelon como general, e tinha uma longa e vermelha
cicatriz no olho direito, desde a sobrancelha até a orelha, que ele mesmo
chamava de Decadência de Merlon.
Merlon serviu o Rei
Arelon durante anos, e defendeu o reino dos ataques selvagens e desordenados
das forças do Falso Rei bravamente, naquele tempo os Dragões faziam a maior
parte do trabalho mas os humanos sempre foram necessários pois os dragões se
feriam como qualquer animal de Andor e as forças da Longa Sombra do Sul se
multiplicavam rapidamente, apesar dos Dragões as batalhas eram sangrentas e
muitas vidas foram perdidas ao longo dos anos, soldados que eram valiosos para
o até então General Merlon. Antes da
Ultima Grande Guerra, Merlon foi chamado pelo Rei em seus aposentos, a conversa
durou um longo tempo e ninguém sabe o que eles conversaram, porem ao deixar os
aposentos de Arelon, Merlon deixou claro para as tropas que aquela seria sua
ultima batalha e que os soldados se preparassem para lutar sem a ajuda dos
céus. Quando chegou o momento, aquilo que Merlon disse de fato aconteceu, os
Dragões debandaram, os homens lutaram e sangraram como nunca antes e as terras
de Andor beberam do sangue de seus defensores, as forças do Falso Rei emergiram
da Floresta Escura tão numerosas quanto nunca, e para a surpresa dos homens
vinham organizadas. Em formações de batalha complexas, paredes de escudos e
linhas de Wargs montados pelos terríveis Bulks, eles vieram, e naquele outono
foi visto pela primeira vez o mal em pessoa, carne, ossos e sombras, o Falso
Rei. O Falso Rei comandava a infantaria do Sul cavalgando no maior Warg que os
homens já viram, possuía a altura de três homens, usava uma mascara de ferro
negro e de seus olhos fluíam sombras, seu corpo estava coberto por uma cota de
malha de onde saiam sombras e vapores negros por seus elos, e nas mãos trazia
um machado tão sujo e fétido que enojava e atordoava os homens mais rudes do
exército. Por fim deu-se a guerra. A maior e mais demorada guerra de que se tem
documentos, mais de cinco mil homens pereceram ao longo de dois anos, e a coisa
que mais os matava era o Dragão do Falso Rei, o Grande Dragão Negro, Vergonha
da Família Quebrador de Juras, Aquele
que Restou, Lutheraxes, antigo defensor da cidade-sede de Angur.
- Queríamos trein...
– começou Nogard, mas Arwen o interrompeu.
- Fui eu senhor
Merlon. – a garota deu um passo a frente e ajoelhou-se.
Merlon olhou-os
durante um momento, uma de suas sobrancelhas estava desconfiadamente erguida,
coçou a barba, olhou as unhas e enfim falou.
- Levante-se garota,
nunca se ajoelhe perante nenhum homem do reino.
- Nem perante o Rei?
– perguntou Arwen para o desespero de Nogard.
Merlon foi de
encontro à arvore onde a lança ainda vibrava.
- Nunca se ajoelhe
perante nenhum homem do reino. Seu rei é uma lesma, você ajoelha para as lesmas
quando vê uma nas plantas garota? – perguntou o homenzarrão.
- Não, e não sou
mais uma garota.
- Hahaha, e o que é
agora?
- Sou uma escudeira.
- Uma escudeira. Oh,
sim como não vi antes, será que é culpa sua Decadência – perguntou Merlon para a cicatriz.
Não era raro Merlon
falar com sua cicatriz, e isso deixava Nogard constrangido e inquieto, pobre Merlon, esta ficando muito velhinho.
- Tirou minha honra,
minha chance e agora quer tirar minha maldita visão?
- Perdoe-me senhor eu
não queria...
- Não estou falando
com você garota. Mas já que falou, gostaria de me explicar como pretende ser
uma escudeira, já que os escudeiros não só ajudam os cavaleiros mas também
lutam contra os do Sul, sabendo-se é claro que é proibido as mulheres lutarem
no território de Andor? – perguntou Merlon, e ao ver que as lanças que estavam
no chão se tratavam das lanças de Lord Grum soutou uma blasfêmia tão proibida
que Nogard sequer conhecia, até agora.
- Não sei. –
respondeu Arwen de cabeça baixa, não sabia mais o que dizer, o medo a tomava.
Merlon olhou para
Nogard que estava paralisado ao lado da grande pedra, e aproximou-se.
- Isso é seu? –
perguntou Merlon estendendo um colar com um dragão entalhado em um pequeno
pedaço de madeira.
Nogard tocou o
pescoço de imediato e só então descobriu que tinha perdido em frente a taverna.
- É sim senhor. –
disse Nogard pegando o colar.
Merlon deu uma
fungadela e sorriu.
- Qualquer garoto na
sua idade estaria chorando agora, mas não você – o velho olhou de relance para
Arwen -, e nem você, conheci muitos garotos especiais Nogard, e já fui roubado
antes – este comentário fez com que Nogard corasse -, mas nunca alguém como
você e seu pai.
Nogard levantou a
cabeça e em seus olhos brilhava uma curiosidade infantil.
- Meu pai?
- Sim, seu pai, seu
pai era um guerreiro sem igual Nogard, e duelou ao meu lado quando entrei em
embate com o Falso Rei em pessoa, bom, o resto é sabido eu ganhei minha Decadência e seu pai... seu
pai esta nos Campos da Luz. Perderíamos aquela batalha, mas o Grande Lutheraxes
estava ferido demais e recuou, sem poder conter nossos exércitos o Falso Rei
voltou para o seu sombrio Sul.
Nogard e Arwen
ouviam tudo como atenciosos gatinhos esperando uma tigela de leite frio. E para
o azar das crianças o velho Merlon percebeu.
- Querem saber como
expulsei os Bulks Piratas das Nove ilhas? – perguntou o velho terminando de
recolher as lanças pela clareira.
- Sim! – responderam
as crianças de imediato.
- Então parem de me
roubar seus moleques, Hahaha. – e enxotou as crianças com a ponta da bota,
Nogard e Arwen correram para a vila rindo como as crianças riem – E tomem um
banho! – gritou o velho.
Porem quando as
crianças saíram de vista o sorriso morreu nos lábios de Merlon, apanhou a
ultima lança e olhou para os arbustos que moviam-se, algum animal fugia dali
abrindo caminho pelo bosque para longe da vila.
- Warg espião –
disse Merlon com uma carranca, olhou para o céu e sacudiu a cabeça
negativamente -, os dias estão escuros demais, e quando chegar a hora, o que
você fará velho Arelon?
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