Capítulo
17 – Um Urso Amigo
Porto Vitória, a
Cidade Naval de Andor, suas muralhas eram construídas de um material único, uma
pedra azul e branca, moldada e derretida pelo seu Dragão, Austeradiusfhulgurox,
o Dragão Dourado, Tempestade Viva, Protetor dos Vitorinos.
A muralha da cidade
era de uma beleza sem igual, em forma de meia-lua, protegia a cidade de ataques
por terra, nunca ninguém transpôs aquelas muralhas, e nunca ninguém o faria. O
lado Oeste da cidade era completamente desguarnecido. Apenas para aqueles que
não conheciam Porto Vitória. O lado oeste da cidade era guardado por algo muito
mais mortal do que uma mera muralha. Era protegido pelo mar, o agitado mar
entre as Nove Ilhas e a cidade. Estava repleto de embarcações, as Marés de
Outono eles eram conhecidos, a elite dos exércitos marítimos de Andor, aqueles
que jamais perderam uma batalha nos mares, descendentes do próprio Capitão
Jah’khvil Nah’zir, o homem que liderou os Jeh’khgari através do Mar da Névoa,
na Era das Conquistas, quando a névoa assim permitiu.
Havia uma
peculiaridade em relação às Marés de Outono que poucos se atentavam,
diferentemente de Merlon que desconfiava de tudo e de todos, enquanto
Austeradiusfhulgurox protegia a cidade nenhum navio jamais naufragou, não
importava a intensidade dos ventos ou a selvageria dos mares, havia algo no
Dragão, algo que lhe garantiu o título de Protetor dos Vitorinos, mas isso é de
conhecimento de todos em Andor, o que eles desconhecem no entanto é que intriga
Merlon. O Dragão se foi, assim como seus irmãos alados, fugiram por um motivo
que apenas alguns sabiam, mas o fato dos navios continuarem navegando por mares
de fúria, com espumas traiçoeiras, pedras escondidas e nunca naufragarem
chamava a atenção de Merlon, esse Dragão
ainda cuida dessa cidade, pode estar muito longe mas ainda lança seu poder
sobre os Vitorinos, pensou o velho, em seu branco Sofhlax
Merlon olhou para
trás e viu apenas uma tênue fumaça, que saia do acampamento de Lorde Doufas.
Merlon agora estava parado perante os portões da cidade, a tempos ele não vinha
ali, e isso o entristecia, a cidade era bela e era bondosa, jamais faltaram com
seu dever contra as sombras do Sul ou qualquer outro mal qualquer, e quando a
pesca era generosa, algo que misteriosamente acontecia com frequência, Mooner
Ruivurso ordenava que o alimento fosse distribuído aos pobres de Andor.
Merlon suspirou e
acariciou a pelagem de Sofhlax.
- Vamos, amigo, um
Senhor bondoso que não vejo a muito tempo nos espera. – e incitou o cavalo para
os portões da cidade, a menos de vinte metros ouviu uma trombeta, um dos
capitães do portão o reconheceu e autorizou a entrada. A imensa grade de ferro
foi suspensa e Merlon entrou. Foi recebido pelo capitão em pessoa – Larkos? –
perguntou o velho, sem ter certeza se conhecia o capitão, lembrava-lhe muito um
antigo companheiro de batalha, mas entre as grades de seu elmo parecia mais
jovem, sem barba e sem bigodes.
O capitão
recebeu-lhe com uma meia reverência, vestia uma pesada armadura de ferro, usava
um elmo com grades, e uma longa capa azul. Retirou o elmo, um sinal de respeito
e educação.
- Sou Fubrus,
Primeiro Capitão Fubrus Gren, responsável pelo portão principal de Porto
Vitória, Larkos era meu pai, senhor Merlon, ele falava muito bem do senhor – o
tom de voz do rapaz dizia que Larkos estava agora nos Campos de Paz.
- Uma lástima,
filho, eu lamento imensamente. – disse Merlon.
- Eu agradeço os
seus sentimentos, meu pai era um guerreiro competente, mas a Ultima Grande
Guerra testou a todos nós.
Merlon lamentou ter
entendido que o bom Larkos pereceu na sua ultima batalha.
- Perdoe-me,
Primeiro Capitão, não pude evitar a sua perda, e não olhei para trás quando a
guerra terminou, apenas debandei, não pude contar os feridos ou prestar honras
à antigos amigos. – disse Merlon de cima de seu cavalo.
- Quem sou eu para
questionar o maior General que essas terras já viram – completou o rapaz -, sei
que se pudesse teria evitado, perdeu algumas vidas naquela batalha, meu senhor,
mas salvou muitas outras. – Merlon se sentiu orgulhoso daquele garoto, de fato
ele era filho de Larkos. – Siga, você é bem vindo aqui em minha cidade.
Merlon agradeceu a
cortesia e adentrou a cidade.
Porto Vitória era
uma das maiores cidades do reino, e uma de suas peculiaridades era de que o
castelo principal ficava logo após a muralha, toda a cidade era voltada para o
mar, então ele contornou as paredes do castelo. Ao fundo viu o porto, com suas
enormes Barcaças, Navios de Guerra, Baleeiros, e uma espécie de barco que
Merlon jamais vira, eram grandes planos de madeira, não se assemelhavam a
barcos de fato, pareciam mais uma extensão do porto, e sobre eles havia muitas
balistas e enormes catapultas, esses eu
não conheço, a tempos não venho aqui, receio que algumas coisas possam ter
mudado. Merlon não levou muito tempo até atingir as escadarias do castelo.
O castelo era construído do mesmo material das muralhas da cidade, três grandes
e volumosas torres erguiam-se do centro de um enorme pavilhão quadrado, com
outras quatro torres atarracadas em cada canto. Merlon sabia que a torre
central era a esquecida Torre de Dragão de Austeradiusfhulgurox, o Dragão
Dourado.
Merlon desmontou
Sofhlax e o entregou ao cavalariço, havia um estabulo próximo ao inicio das
escadarias, as escadas brancas e azuis pareciam uma maré de pedras, Merlon
encarou a subida, tinha aproximadamente trinta metros de degraus e mais
degraus, pôs as mãos na cintura.
- Decadência, que
bela subida temos pela frente não?
E subiu, degrau após
degrau. Quando Merlon chegou ele estava suado e com as costas doendo, deveria ter subido à cavalo, ja quebrei uma
lei de montarias esta semana não seria nada sério quebrar outra, pensou
Merlon. Adentrou o grande arco de entrada do castelo, uma pequena audiência
estava acontecendo ali, vários guardas com lanças estavam postos em ambos as
laterais do imenso salão, alguns pilares estavam entre eles e alguns
peticionários, pilares altos e enfeitados com pequenas figuras marinhas, havia
conchas, cavalos-marinhos e peixes. Lorde Mooner Ruivurso, Senhor de Porto
Vitória estava sentado em seu enorme trono repleto de almofadas, dois cavalos
marinhos esculpidos em pedra faziam as vezes de encosto do trono, o homem
continuava gordo como sempre, tão gordo quanto um homem poderia ser, era imenso
e pesado, vestia sedas azuis que dobravam-se entre sua gordura, tinha um cabelo
comprido que caia-lhe sobre os ombros e espalhava-se por sua enorme barriga,
sua barba era espessa, porém curta, e ambos, tanto os cabelos quanto a sua
barba eram ruivos, de um ruivo quase vermelho, ele não mudou nada, pensou Merlon com um sorriso no rosto.
Mas ouviu como ele
estava tratando os peticionários, de uma forma bruta e nada misericordiosa, e
viu que se enganou, o homem ali não era mais o mesmo do passado. Merlon
escondeu Mitrhiilden sob a capa e se aproximou.
Lorde Mooner o viu
se aproximando e estreitou os olhos, fez um aceno de mão qualquer e um de seus
guardas ordenou que os peticionários se retirassem. Merlon se aproximou ainda
mais. O trono de Mooner situava-se a apenas alguns centimetros do solo, apenas
um degrau era visto ali, e era imensamente trabalhoso para o Lorde subir.
Merlon parou a
alguns metros, não fez reverencias nem disse nada, esperaria o castelão dizer
algo, para ter certeza de que ele tinha mudado.
- O inimigo bate à
minha porta, haviam me dito essa manhã, mas receio terem se enganado, pois ele
já esta aqui, em meus salões. – a resposta foi o suficiente para Merlon.
O General coçou a
barba.
- Hum, entendo,
velhos amigos já me chamaram de muitos nomes por essas terras, mas inimigo creio que seja a primeira vez.
Lorde Ruivurso não
sabia ser cauteloso, o homem era esbanjador, inclusive com as palavras.
- Sei que esta do
lado da Estrela Negra, Merlon, e isso em muito me decepciona, um mensageiro
chegou essa manhã e me disse que o General de Andor conspirava contra minha
cidade, na tenda do próprio Lorde Doufas.
- Receio que seu
mensageiro não tenha olhos Mooner. – disse Merlon – Venho até a sua cidade
exatamente para servi-lo como General.
- General? –
perguntou o gordo Mooner – Não preciso de generais, nem de capitães nem de
soldados, minhas muralhas e meus barcos defenderão a minha cidade.
- De nada adianta
barcos e muralhas sem homens para os defender. Doufas levantará um cerco. –
disse Merlon.
- Deixe que levante.
– retrucou Mooner.
Merlon sabia que
dentro da cidade havia provisões suficientes para que Porto Vitória
sobrevivesse ao cerco, e com o mar aos pés da cidade, facilmente eles poderiam
repor o alimento que viesse a faltar. Infelizmente Doufas também sabia disso.
Merlon estava certo de que Doufas levantaria cerco à cidade durante mil anos se
fosse preciso, mas Merlon não tinha esse tempo a perder.
- Mooner, não seja
tolo, você tem vinte mil homens treinados, Doufas tem apenas oito mil, deixe-me
lideralos, poderei defender sua cidade.
- Quando o Lorde da
Estrela, declarou guerra contra mim Lago do Rei se prontificou a me ajudar,
Praça Jaoh’ndar ficou sobre seu comando, sobre o comando de um rato, aquele
Mafilhem, no final das contas ele abriu caminho para Doufas, estavam de aliança
desde o começo – o gordo Lorde estava exaltado, seus queixos multiplos
balançavam violentamente enquanto ele falava -, e se não bastasse isso eles
queimaram a vila, uma vila que homenageava a honra e a honestidade de
Jaoh’ndar, um herói que nos deu tudo que temos hoje e nos livrou das garras
afiadas de um Rei sanguinário, sim você estranha meu comportamento, percebo
isso em seus olhos, e nessa sua cicatriz, mas não posso dar vivas a essa
traição.
Merlon sabia que as
palavras do Lorde eram verdadeiras, não podia rebater seus argumentos, se ele
liderasse os exércitos de Mooner talvez eles tivessem uma chance, mas se
Ruivurso não autorizasse o General, as coisas poderiam ficar fora de controle.
- Não ha mentiras em
suas palavra, velho amigo – o modo como Merlon tratou o gordo Lorde espantou
Mooner. Ruivurso estava desencorajado e se sentia ultrajado pela traição de
Lago do Rei, as pessoas falavam de sua mudança a tempos, e isso servia apenas
para deixar o Lorde mais rancoroso ainda, mas o fato de Merlon ainda o tratar
como um amigo, o fez pensar melhor -, como sempre, existe uma bondade em você
que não será facilmente tomada, vi o modo como estava tratando aqueles
pescadores peticionários, aquele não é você, sei que Doufas quer acreditar que
sim, mas eu sei que não. – concluiu Merlon, aproximando-se ainda mais.
Mooner de fato não
era um tirano, sempre foi bondoso e honrado, mas estava à beira de uma guerra,
e acabara de confiar em um grande Senhor, e ser traído pelo mesmo, não seria de
se espantar que temesse uma nova traição. Mesmo vinda de Merlon.
- Nós mudamos,
Merlon, muitos de nós mudamos nos ultimos dez anos, aqueles que nos protegiam
fugiram, outros a quem protegemos agora batem à minha porta, procurando por
sangue e saques, mais da metade dos homens de Doufas não passavam de garotos,
com a barba ainda rala, quando enfrentamos o Falso Rei. Perdi trezentos navios
naquela guerra, imagine quantos homens eu perdi Merlon, e quando a batalha
terminou eu fui um dos que tiveram que cavar covas e enche-las com a terra de
Andor, para aqueles que assim desejaram em vida, e encher návios para atirar
homens que pereceram em batalha aos mares, aqueles que assim desejaram em vida.
– a voz de Ruivurso começava a voltar ao normal, o homem não estava mais
exaltado, e Merlon agradecia por isso – Após a batalha não o vi, amigo, não o
vi cavando ou atirando homens ao mar, para que descansassem eternamente em seu
leito rochoso, não o vi tratar os feridos e não o vi consolar as viúvas, não
foi você que teve que explicar aos filhos e netos deles algo tão doloroso, as
inúmeras perdas. Me abandonou General, a mim e a todos.
- Não me orgulho
disso Mooner, mas tive meus motivos.
- E eu me pergunto
quais, durante todos esses anos essa duvida me corroeu, e agora eu lhe
perguntou Merlon, por que nos abandonou após a batalha Merlon? – perguntou
Mooner.
Merlon passou os
olhos pelos guardas nas laterais do salão, eles estavam inquietos, um longo
silêncio antecipou a resposta do General.
- Arelon. –
respondeu Merlon por fim – Debandei devido a um erro que Arelon cometeu, um
erro que eu não pude evitar, um erro que quase nos destruiu mas que irá nos
salvar a todos, nos dias que virão.
Mooner encarou
Merlon, ou não estava entendendo nada ou sabia de toda a verdade, a verdade
sobre Nogard.
- Você não é meu
inimigo, peço desculpas por isso, mas aqueles senhores que estão acampados na
extinta Praça Jaoh’ndar são, aqueles são traidores.
Era agora, o momento
que Merlon estava esperando.
- E como, em nosso
tempo as traições eram tratadas, Lorde? – perguntou Merlon, tentando ganhar
tempo para formular alguma frase melhor.
- Com a morte! –
disse o gordo inclinando-se para frente – Com a morte!
Merlon não teve que
pensar muito, Mooner havia lhe dado sua resposta.
- Então deixe-me liderar
sua cidade, garanto-lhe que a defenderei e trarei aqueles que o ameaçam perante
esses salões, para que caiba a você julgá-los, mas com uma condição.
Ruivurso se recostou
em seu trono.
- E se eu
permitisse, se eu autorizasse essa loucura em terra firme, que condição seria
essa?
Espero que ainda honre seus ancestrais Ruivurso, meu velho amigo.
- Sua ajuda, contra
aqueles que seus ancestrais que se sentaram onde você senta agora enfrentaram,
contra aqueles que você expulsou das águas ao redor da Ilha de Fogo, preciso de
Porto Vitória contra os Bulks. – os olhos de Mooner brilharam. Merlon sabia que
a menção dos ancestrais do Lorde e a sua luta contra os Bulks alimentariam sua
vontade, e, se os Dragões fossem bons, Ruivurso voltaria a ser o Senhor que
Merlon conhecia – E então, eu defendo sua cidade e você me auxilia na defesa do
reino, como nos velhos tempos, o que me diz? – perguntou Merlon. Ruivurso
apenas o olhava com olhos desconfiados. Nada mais podia ser feito, nada mais
podia ser dito, se Mooner não concordasse o futuro de Andor seria incerto,
havia vinte mil homens em Porto Vitória, e oito mil em Força dos Homens, Merlon
se viu em uma situação delicada, arriscado a perde-los a todos.
- O que me diz Velho
Urso? – perguntou o General, com sua voz de batalha.
- Porto Vitória
responderá o seu chamado! Você tem seus vinte mil homens, General Merlon, saiba
guiá-los com cautela, eles não são homens da terra, são homens do mar. – Mooner
apoiou a cabeça em uma das mãos, parecia preocupado – Só espero que quando essa
guerra sem sentido, por motivos a muito esquecidos, chegar ao seu fim você
ainda esteja aqui, espero que não suma novamente – encarou Merlon -, senti sua
falta General, senti sua falta velho amigo.
- Eu não sumirei,
meu amigo.
Merlon suspirou, fez
uma reverência e se retirou dos salões. Foi de encontro ao Primeiro Capitão
Fubrus, filho de Larkos.
- Meu senhor – o
capitão do portão o recebeu -, espero que tenha encontrado aquilo que veio
procurar.
- Parece que sim,
filho, mas primeiro me diga o que são aquelas coisas planas no mar, são návios?
– perguntou Merlon.
- São sim, são
Balsas de Catapultas, uma idéia ousada do nosso construtor chefe.
- Onde posso
encontrá-lo? – perguntou Merlon.
- Ele esta aqui nos
portões, veja, é aquele ali pregando tábuas. – respondeu o primeiro capitão,
apontando para o construtor chefe.
Merlon viu a batalha
se desenrolar em sua cabeça, sabia exatamente o que fazer com as Marés de
Outono em solo, e aquelas novas Balsas de Catapultas seriam de grande ajuda,
pois certamente Doufas também não sabia de sua existencia até agora.
O velho General
sorriu, passou uma das mãos na barba e pos a outra no ombro de Fubrus.
- Encontrei, meu
jovem, encontrei exatamente aquilo que vim procurar, agora reúna os exércitos
fora dos portões, temos uma guerra à nossa porta.
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