sexta-feira, 3 de janeiro de 2014

Nove Dragões - A Lenda de Nogard

Capítulo 17 – Um Urso Amigo



   Porto Vitória, a Cidade Naval de Andor, suas muralhas eram construídas de um material único, uma pedra azul e branca, moldada e derretida pelo seu Dragão, Austeradiusfhulgurox, o Dragão Dourado, Tempestade Viva, Protetor dos Vitorinos.
   A muralha da cidade era de uma beleza sem igual, em forma de meia-lua, protegia a cidade de ataques por terra, nunca ninguém transpôs aquelas muralhas, e nunca ninguém o faria. O lado Oeste da cidade era completamente desguarnecido. Apenas para aqueles que não conheciam Porto Vitória. O lado oeste da cidade era guardado por algo muito mais mortal do que uma mera muralha. Era protegido pelo mar, o agitado mar entre as Nove Ilhas e a cidade. Estava repleto de embarcações, as Marés de Outono eles eram conhecidos, a elite dos exércitos marítimos de Andor, aqueles que jamais perderam uma batalha nos mares, descendentes do próprio Capitão Jah’khvil Nah’zir, o homem que liderou os Jeh’khgari através do Mar da Névoa, na Era das Conquistas, quando a névoa assim permitiu.
  Havia uma peculiaridade em relação às Marés de Outono que poucos se atentavam, diferentemente de Merlon que desconfiava de tudo e de todos, enquanto Austeradiusfhulgurox protegia a cidade nenhum navio jamais naufragou, não importava a intensidade dos ventos ou a selvageria dos mares, havia algo no Dragão, algo que lhe garantiu o título de Protetor dos Vitorinos, mas isso é de conhecimento de todos em Andor, o que eles desconhecem no entanto é que intriga Merlon. O Dragão se foi, assim como seus irmãos alados, fugiram por um motivo que apenas alguns sabiam, mas o fato dos navios continuarem navegando por mares de fúria, com espumas traiçoeiras, pedras escondidas e nunca naufragarem chamava a atenção de Merlon, esse Dragão ainda cuida dessa cidade, pode estar muito longe mas ainda lança seu poder sobre os Vitorinos, pensou o velho, em seu branco Sofhlax
  Merlon olhou para trás e viu apenas uma tênue fumaça, que saia do acampamento de Lorde Doufas. Merlon agora estava parado perante os portões da cidade, a tempos ele não vinha ali, e isso o entristecia, a cidade era bela e era bondosa, jamais faltaram com seu dever contra as sombras do Sul ou qualquer outro mal qualquer, e quando a pesca era generosa, algo que misteriosamente acontecia com frequência, Mooner Ruivurso ordenava que o alimento fosse distribuído aos pobres de Andor.
  Merlon suspirou e acariciou a pelagem de Sofhlax.
  - Vamos, amigo, um Senhor bondoso que não vejo a muito tempo nos espera. – e incitou o cavalo para os portões da cidade, a menos de vinte metros ouviu uma trombeta, um dos capitães do portão o reconheceu e autorizou a entrada. A imensa grade de ferro foi suspensa e Merlon entrou. Foi recebido pelo capitão em pessoa – Larkos? – perguntou o velho, sem ter certeza se conhecia o capitão, lembrava-lhe muito um antigo companheiro de batalha, mas entre as grades de seu elmo parecia mais jovem, sem barba e sem bigodes.
  O capitão recebeu-lhe com uma meia reverência, vestia uma pesada armadura de ferro, usava um elmo com grades, e uma longa capa azul. Retirou o elmo, um sinal de respeito e educação.
  - Sou Fubrus, Primeiro Capitão Fubrus Gren, responsável pelo portão principal de Porto Vitória, Larkos era meu pai, senhor Merlon, ele falava muito bem do senhor – o tom de voz do rapaz dizia que Larkos estava agora nos Campos de Paz.
  - Uma lástima, filho, eu lamento imensamente. – disse Merlon.
  - Eu agradeço os seus sentimentos, meu pai era um guerreiro competente, mas a Ultima Grande Guerra testou a todos nós.
  Merlon lamentou ter entendido que o bom Larkos pereceu na sua ultima batalha.
  - Perdoe-me, Primeiro Capitão, não pude evitar a sua perda, e não olhei para trás quando a guerra terminou, apenas debandei, não pude contar os feridos ou prestar honras à antigos amigos. – disse Merlon de cima de seu cavalo.
  - Quem sou eu para questionar o maior General que essas terras já viram – completou o rapaz -, sei que se pudesse teria evitado, perdeu algumas vidas naquela batalha, meu senhor, mas salvou muitas outras. – Merlon se sentiu orgulhoso daquele garoto, de fato ele era filho de Larkos. – Siga, você é bem vindo aqui em minha cidade.
  Merlon agradeceu a cortesia e adentrou a cidade.
   Porto Vitória era uma das maiores cidades do reino, e uma de suas peculiaridades era de que o castelo principal ficava logo após a muralha, toda a cidade era voltada para o mar, então ele contornou as paredes do castelo. Ao fundo viu o porto, com suas enormes Barcaças, Navios de Guerra, Baleeiros, e uma espécie de barco que Merlon jamais vira, eram grandes planos de madeira, não se assemelhavam a barcos de fato, pareciam mais uma extensão do porto, e sobre eles havia muitas balistas e enormes catapultas, esses eu não conheço, a tempos não venho aqui, receio que algumas coisas possam ter mudado. Merlon não levou muito tempo até atingir as escadarias do castelo. O castelo era construído do mesmo material das muralhas da cidade, três grandes e volumosas torres erguiam-se do centro de um enorme pavilhão quadrado, com outras quatro torres atarracadas em cada canto. Merlon sabia que a torre central era a esquecida Torre de Dragão de Austeradiusfhulgurox, o Dragão Dourado.
  Merlon desmontou Sofhlax e o entregou ao cavalariço, havia um estabulo próximo ao inicio das escadarias, as escadas brancas e azuis pareciam uma maré de pedras, Merlon encarou a subida, tinha aproximadamente trinta metros de degraus e mais degraus, pôs as mãos na cintura.
  - Decadência, que bela subida temos pela frente não?
  E subiu, degrau após degrau. Quando Merlon chegou ele estava suado e com as costas doendo, deveria ter subido à cavalo, ja quebrei uma lei de montarias esta semana não seria nada sério quebrar outra, pensou Merlon. Adentrou o grande arco de entrada do castelo, uma pequena audiência estava acontecendo ali, vários guardas com lanças estavam postos em ambos as laterais do imenso salão, alguns pilares estavam entre eles e alguns peticionários, pilares altos e enfeitados com pequenas figuras marinhas, havia conchas, cavalos-marinhos e peixes. Lorde Mooner Ruivurso, Senhor de Porto Vitória estava sentado em seu enorme trono repleto de almofadas, dois cavalos marinhos esculpidos em pedra faziam as vezes de encosto do trono, o homem continuava gordo como sempre, tão gordo quanto um homem poderia ser, era imenso e pesado, vestia sedas azuis que dobravam-se entre sua gordura, tinha um cabelo comprido que caia-lhe sobre os ombros e espalhava-se por sua enorme barriga, sua barba era espessa, porém curta, e ambos, tanto os cabelos quanto a sua barba eram ruivos, de um ruivo quase vermelho, ele não mudou nada, pensou Merlon com um sorriso no rosto.
  Mas ouviu como ele estava tratando os peticionários, de uma forma bruta e nada misericordiosa, e viu que se enganou, o homem ali não era mais o mesmo do passado. Merlon escondeu Mitrhiilden sob a capa e se aproximou.
  Lorde Mooner o viu se aproximando e estreitou os olhos, fez um aceno de mão qualquer e um de seus guardas ordenou que os peticionários se retirassem. Merlon se aproximou ainda mais. O trono de Mooner situava-se a apenas alguns centimetros do solo, apenas um degrau era visto ali, e era imensamente trabalhoso para o Lorde subir.
  Merlon parou a alguns metros, não fez reverencias nem disse nada, esperaria o castelão dizer algo, para ter certeza de que ele tinha mudado.
  - O inimigo bate à minha porta, haviam me dito essa manhã, mas receio terem se enganado, pois ele já esta aqui, em meus salões. – a resposta foi o suficiente para Merlon.
  O General coçou a barba.
  - Hum, entendo, velhos amigos já me chamaram de muitos nomes por essas terras, mas inimigo creio que seja a primeira vez.
  Lorde Ruivurso não sabia ser cauteloso, o homem era esbanjador, inclusive com as palavras.
  - Sei que esta do lado da Estrela Negra, Merlon, e isso em muito me decepciona, um mensageiro chegou essa manhã e me disse que o General de Andor conspirava contra minha cidade, na tenda do próprio Lorde Doufas.
  - Receio que seu mensageiro não tenha olhos Mooner. – disse Merlon – Venho até a sua cidade exatamente para servi-lo como General.
  - General? – perguntou o gordo Mooner – Não preciso de generais, nem de capitães nem de soldados, minhas muralhas e meus barcos defenderão a minha cidade.
  - De nada adianta barcos e muralhas sem homens para os defender. Doufas levantará um cerco. – disse Merlon.
  - Deixe que levante. – retrucou Mooner.
  Merlon sabia que dentro da cidade havia provisões suficientes para que Porto Vitória sobrevivesse ao cerco, e com o mar aos pés da cidade, facilmente eles poderiam repor o alimento que viesse a faltar. Infelizmente Doufas também sabia disso. Merlon estava certo de que Doufas levantaria cerco à cidade durante mil anos se fosse preciso, mas Merlon não tinha esse tempo a perder.
  - Mooner, não seja tolo, você tem vinte mil homens treinados, Doufas tem apenas oito mil, deixe-me lideralos, poderei defender sua cidade.
  - Quando o Lorde da Estrela, declarou guerra contra mim Lago do Rei se prontificou a me ajudar, Praça Jaoh’ndar ficou sobre seu comando, sobre o comando de um rato, aquele Mafilhem, no final das contas ele abriu caminho para Doufas, estavam de aliança desde o começo – o gordo Lorde estava exaltado, seus queixos multiplos balançavam violentamente enquanto ele falava -, e se não bastasse isso eles queimaram a vila, uma vila que homenageava a honra e a honestidade de Jaoh’ndar, um herói que nos deu tudo que temos hoje e nos livrou das garras afiadas de um Rei sanguinário, sim você estranha meu comportamento, percebo isso em seus olhos, e nessa sua cicatriz, mas não posso dar vivas a essa traição.
  Merlon sabia que as palavras do Lorde eram verdadeiras, não podia rebater seus argumentos, se ele liderasse os exércitos de Mooner talvez eles tivessem uma chance, mas se Ruivurso não autorizasse o General, as coisas poderiam ficar fora de controle.
  - Não ha mentiras em suas palavra, velho amigo – o modo como Merlon tratou o gordo Lorde espantou Mooner. Ruivurso estava desencorajado e se sentia ultrajado pela traição de Lago do Rei, as pessoas falavam de sua mudança a tempos, e isso servia apenas para deixar o Lorde mais rancoroso ainda, mas o fato de Merlon ainda o tratar como um amigo, o fez pensar melhor -, como sempre, existe uma bondade em você que não será facilmente tomada, vi o modo como estava tratando aqueles pescadores peticionários, aquele não é você, sei que Doufas quer acreditar que sim, mas eu sei que não. – concluiu Merlon, aproximando-se ainda mais.
  Mooner de fato não era um tirano, sempre foi bondoso e honrado, mas estava à beira de uma guerra, e acabara de confiar em um grande Senhor, e ser traído pelo mesmo, não seria de se espantar que temesse uma nova traição. Mesmo vinda de Merlon.
  - Nós mudamos, Merlon, muitos de nós mudamos nos ultimos dez anos, aqueles que nos protegiam fugiram, outros a quem protegemos agora batem à minha porta, procurando por sangue e saques, mais da metade dos homens de Doufas não passavam de garotos, com a barba ainda rala, quando enfrentamos o Falso Rei. Perdi trezentos navios naquela guerra, imagine quantos homens eu perdi Merlon, e quando a batalha terminou eu fui um dos que tiveram que cavar covas e enche-las com a terra de Andor, para aqueles que assim desejaram em vida, e encher návios para atirar homens que pereceram em batalha aos mares, aqueles que assim desejaram em vida. – a voz de Ruivurso começava a voltar ao normal, o homem não estava mais exaltado, e Merlon agradecia por isso – Após a batalha não o vi, amigo, não o vi cavando ou atirando homens ao mar, para que descansassem eternamente em seu leito rochoso, não o vi tratar os feridos e não o vi consolar as viúvas, não foi você que teve que explicar aos filhos e netos deles algo tão doloroso, as inúmeras perdas. Me abandonou General, a mim e a todos.
  - Não me orgulho disso Mooner, mas tive meus motivos.
  - E eu me pergunto quais, durante todos esses anos essa duvida me corroeu, e agora eu lhe perguntou Merlon, por que nos abandonou após a batalha Merlon? – perguntou Mooner.
  Merlon passou os olhos pelos guardas nas laterais do salão, eles estavam inquietos, um longo silêncio antecipou a resposta do General.
  - Arelon. – respondeu Merlon por fim – Debandei devido a um erro que Arelon cometeu, um erro que eu não pude evitar, um erro que quase nos destruiu mas que irá nos salvar a todos, nos dias que virão.
  Mooner encarou Merlon, ou não estava entendendo nada ou sabia de toda a verdade, a verdade sobre Nogard.
  - Você não é meu inimigo, peço desculpas por isso, mas aqueles senhores que estão acampados na extinta Praça Jaoh’ndar são, aqueles são traidores.
  Era agora, o momento que Merlon estava esperando.
  - E como, em nosso tempo as traições eram tratadas, Lorde? – perguntou Merlon, tentando ganhar tempo para formular alguma frase melhor.
  - Com a morte! – disse o gordo inclinando-se para frente – Com a morte!
  Merlon não teve que pensar muito, Mooner havia lhe dado sua resposta.
  - Então deixe-me liderar sua cidade, garanto-lhe que a defenderei e trarei aqueles que o ameaçam perante esses salões, para que caiba a você julgá-los, mas com uma condição.
  Ruivurso se recostou em seu trono.
  - E se eu permitisse, se eu autorizasse essa loucura em terra firme, que condição seria essa?
  Espero que ainda honre seus ancestrais Ruivurso, meu velho amigo.
  - Sua ajuda, contra aqueles que seus ancestrais que se sentaram onde você senta agora enfrentaram, contra aqueles que você expulsou das águas ao redor da Ilha de Fogo, preciso de Porto Vitória contra os Bulks. – os olhos de Mooner brilharam. Merlon sabia que a menção dos ancestrais do Lorde e a sua luta contra os Bulks alimentariam sua vontade, e, se os Dragões fossem bons, Ruivurso voltaria a ser o Senhor que Merlon conhecia – E então, eu defendo sua cidade e você me auxilia na defesa do reino, como nos velhos tempos, o que me diz? – perguntou Merlon. Ruivurso apenas o olhava com olhos desconfiados. Nada mais podia ser feito, nada mais podia ser dito, se Mooner não concordasse o futuro de Andor seria incerto, havia vinte mil homens em Porto Vitória, e oito mil em Força dos Homens, Merlon se viu em uma situação delicada, arriscado a perde-los a todos.
  - O que me diz Velho Urso? – perguntou o General, com sua voz de batalha.
  - Porto Vitória responderá o seu chamado! Você tem seus vinte mil homens, General Merlon, saiba guiá-los com cautela, eles não são homens da terra, são homens do mar. – Mooner apoiou a cabeça em uma das mãos, parecia preocupado – Só espero que quando essa guerra sem sentido, por motivos a muito esquecidos, chegar ao seu fim você ainda esteja aqui, espero que não suma novamente – encarou Merlon -, senti sua falta General, senti sua falta velho amigo.
  - Eu não sumirei, meu amigo.
  Merlon suspirou, fez uma reverência e se retirou dos salões. Foi de encontro ao Primeiro Capitão Fubrus, filho de Larkos.
  - Meu senhor – o capitão do portão o recebeu -, espero que tenha encontrado aquilo que veio procurar.
  - Parece que sim, filho, mas primeiro me diga o que são aquelas coisas planas no mar, são návios? – perguntou Merlon.
  - São sim, são Balsas de Catapultas, uma idéia ousada do nosso construtor chefe.
  - Onde posso encontrá-lo? – perguntou Merlon.
  - Ele esta aqui nos portões, veja, é aquele ali pregando tábuas. – respondeu o primeiro capitão, apontando para o construtor chefe.
  Merlon viu a batalha se desenrolar em sua cabeça, sabia exatamente o que fazer com as Marés de Outono em solo, e aquelas novas Balsas de Catapultas seriam de grande ajuda, pois certamente Doufas também não sabia de sua existencia até agora.
  O velho General sorriu, passou uma das mãos na barba e pos a outra no ombro de Fubrus.
  - Encontrei, meu jovem, encontrei exatamente aquilo que vim procurar, agora reúna os exércitos fora dos portões, temos uma guerra à nossa porta.





Encontrou algum erro, tem críticas ou sugestões?
Reaja e comente!!



Licença Creative Commons
Este obra foi licenciado sob uma Licença Creative Commons Atribuição-NãoComercial-SemDerivados 3.0 Brasil.




Nenhum comentário:

Postar um comentário