sexta-feira, 22 de novembro de 2013

Nove Dragões - A Lenda de Nogard

Capítulo 11 – Aquele Que Restou


  
A Cidade acordou ao som de música, porém nenhum bardo era visto, não havia poetas ou músicos e nenhum cantochão à capela era pronunciado, a música enchia os ares com seu som, sinos e trombetas que soavam cada vez mais alto, conforme os moradores da Fortaleza Central iam acordando e tomando seus postos. A cidade que era o pescoço de Andor acordava, depois de um longo sono, um sono que durou mais de dez anos. A falsa impressão de que uma nova paz surgira foi um sonho, e a cidade se encontrava abraçada a esse sonho, desguarnecida, e à mercê daquilo que um dia foi seu pesadelo.
  Os portões da Fortaleza foram abertos, e nas partes mais baixas da cidade a correria e o pânico se instalavam, barris e baldes eram enchidos com água, e tecidos eram ensopados, roupas de baixo, vestidos, calças e roupas de dormir, mesmo com a ameaça ainda distante. Porém podia-se ver claramente um rastro de fumaça nos céus, Lutheraxes, se aproximava vagarosamente, como se não tivesse pressa em abater sua presa.
  Merlon agiu depressa, não havia tempo a perder, chamou Renolon e partiu em direção aos portões da grande construção de Jih’ndo, duas dezenas de guardas do rico Jeh’khgari os acompanhou. Nogard levantou-se de um salto e ia acompanhar Merlon, mas o velho adiantou seu movimento, voltou alguns passos e se ajoelhou perante o garoto, afim de que ficassem da mesma altura, o que era muito difícil devido à altura privilegiada de Merlon.
  - Perdoe-me Nogard, mas não poderá participar dessa vez. Foi de uma bravura sem igual lutar contra aqueles Bulks na colina, e com apenas um galho, mas isso é diferente – disse o velho, apoiando uma enorme mão nos ombros do garoto -, ser um bom guerreiro é mais do que enfrentar um inimigo mais poderoso, é também saber quando o enfrentar, e esse não é o seu momento, você me entende, filho?
  Nogard fitou o piso do salão, e cambaleou. Merlon o apoiou e percebeu que o menino ainda não estava recuperado.
  - Arwen, preciso que prepare todas as misturas que conhecer para queimaduras, você consegue? – perguntou Merlon.
  - Sim, sou uma Bolkuriana, posso curar qualquer ferimento. – disse a garota, retomando a coragem perdida na Colina de Mélis.
  - Isso é bom, eu confio em você. – disse Merlon, virou-se para o anfitrião - Jih’ndo, mantenha-o seguro, mantenha-o à salvo.
  - Como queira, meu General. – disse Jih’ndo, com um forte sotaque, e pegou Nogard nos braços – Irei coloca-lo nos quartos inferiores, nenhuma chama o alcançará, eu prometo por Joh’han. – disse o Jeh’khgari, jurando em nome do Deus de sua terra natal.
  Por fim levou o garoto. Merlon ficou parado, olhando Nogard ser levado, desculpe filho mas ainda não é o seu tempo, espero que me entenda, você não pode morrer, não pode, pensou o velho com ar lamentoso.
  - E você Decadência, cale essa boca, está me deixando louco. - então virou-se e correu para fora, para a Praça de Tartos.
  Pescoço dos Homens mostrou porque era conhecida como a Cidade dos Cavaleiros, assim que Merlon saiu da construção, um grande grupo de Cavaleiros desciam da Fortaleza, todos montados e com seus escudeiros, outro grupo menor saia dos quartéis e dos estábulos que havia ali, Merlon sabia que ainda viriam dez vezes aquele número, e temia que cem vezes aquele número podia não ser suficiente.
  Todos os Cavaleiros, ao verem Renolon, fizeram uma reverência, e também a fizeram a Merlon, estavam montados e em armaduras pesadas, a praça não via tanta prata assim desde o tempo das festividades em nome dos Dragões, o estandarte do cavalo prateado dançava ao vento, os cavaleiros abriram caminho e então ele apareceu, Argus Vicar, atual General dos exércitos de Andor.
  Argus vinha ostentando uma Armadura pesada de prata e aço, em seu peitoral o cavalo prateado empinava, orgulhoso, seu cavalo era um grande cavalo de guerra que estava enfeitado com tanta prata que movia-se com dificuldade, o General não possuía elmo e tinha os cabelos cortados rente à cabeça, uma das mangas da cota de malha estava balançando onde não havia um braço, tudo aquilo que eu não precisava, um Jeh’khgari que se acha um Andorino, pensou Merlon enquanto o General se aproximava.
  Argus desmontou. Renolon ficou apreensivo, uma discussão sobre hierarquia militar naquele momento só os atrasaria. O atual General se aproximou a passos largos, sua manga balançava e batia no peitoral.
  E para a surpresa de todos, ajoelhou-se perante Merlon.
  - Meu General. – disse Argus.
  Merlon olhou desconfiado, não sabia se aquilo era uma demonstração de humildade com segundas intenções, ou apenas medo daquilo que se aproximava, e ele certamente não perderia tempo tentando descobrir. No mesmo instante Lorde Grum chegou com dez guerreiros Ponta Lancenses, que tinham um valor em batalha mais alto do que cinquenta cavaleiros de Pescoço dos Homens. Era um homem alto, mas não tão alto quanto Merlon e Renolon, possuía uma grande barriga e braços grossos, seu rosto era marcado por muitas cicatrizes e sua barba era pontuda e volumosa, seus cabelos negros eram curtos e ele sorria, um sorriso insano e desesperado, Merlon sabia que era de excitação pela batalha e pelo perigo eminente. Um amor que só os Ponta Lancenses nutriam.
  - Ah, até que enfim alguma ação nessa cidade de palermas. – fez uma reverência tão rápida e vazia que Merlon mal pode perceber.
  A canção dos sinos ainda tocava.
   Não havia mais tempo a perder, trataria com Grum depois, se tivermos sorte, pensou o velho. Merlon montou o cavalo que lhe foi entregue e dirigiu-se aos Cavaleiros.
  - Cavaleiros de Andor, retomo hoje a função que abandonei anos atrás, a função que jamais deveria ter deixado de lado, e aquele que se sentir descontente esta convidado a assumir a dianteira. – ninguém se pronunciou - Preparem suas lanças e machados de arremesso, e seus arcos. – virou seu cavalo em direção à rua dos comerciantes – Sigam-me, e venham depressa, vamos enfrentar as sombras.
  - Cavaleiros de Andor, movam-se! – gritou Renolom, e saiu junto a Merlon em direção ao Portão Norte.
  Todos os seguiram.
  O som dos cascos dos cavalos enchia o ar da cidade, cada casa, cada loja, cada habitante os observava, com olhares esperançosos. O portão foi aberto, Merlon olhou para cima, no topo da muralha, e avistou os homens das balistas.
  - Carregar! – bradou, com um tom de voz que não usava a anos, e eles correram para carregar as enormes bestas. Enfim os Cavaleiros atravessaram o arco e saíram, as armaduras faziam um som que Merlon conhecia muito bem, eles pararam em frente as muralhas da cidade, arcos foram tencionados e o peso de lanças e machados foi testado. Merlon era novamente o General que foi no passado, e ali junto a seus homens eles aguardaram.
  - E agora Senhor? – perguntou um escudeiro a Merlon, um garoto que não era muito mais velho que Nogard.
  - Esperamos, não se pode cavalgar atrás de uma fera dessa natureza, jovem, esperamos e se algum milagre acontecer ele dará meia volta.
  Mas um milagre parecia estar longe de Pescoço dos Homens naquela manhã, O Grande Dragão Negro aproximava-se, como uma bola de fogo negro nos céus, de suas asas saia uma fumaça tão densa e escura que manchava os céus como uma enorme estrada nos ares, a enorme cabeça do Dragão movia-se para cima e para baixo, conforme ele batia suas enormes asas negras, abria e fechava as garras como se estivesse se preparando para esmagar os homens ali, e de fato estava. Não se ouvia som algum além da Perdição dos Homens, que tocava sem descanso na cidade.
  Eles aguardaram um longo momento até que o Dragão estivesse perto o suficiente, esta alto demais, não vamos alcança-lo, nem com lanças nem com as balistas da muralha, pensou o velho. Algum barulho foi feito em meio à fileira de Cavaleiros, Merlon lançou um olhar que fez aqueles que pensavam em fugir mudarem de ideia no mesmo instante, desembainhou Mitrhiilden.
  E o Dragão passou por suas cabeças, sua sombra os cobriu, passou direto pelas fileiras, tão alto que nada o atingiria, apenas o rastro de fumaça ficou para trás, será possível? Pensou o velho. Alguns homens começaram a desmontar e a retirar os elmos, alguns cantaram vivas e riam aliviados, os guerreiro de Pontas de Lanças estavam emburrados e Lorde Grum ostentava uma carranca de dar medo, blasfemando sem parar.
  Até que ele fez a volta. Bateu suas asas o mais rápido que pode e mergulhou em uma espiral suicida, caiu sobre as balistas com garras e dentes, destruindo-as e matando os homens que as operavam, tão rapidamente que os Cavaleiros no solo não tiveram tempo de por seus elmos e montarem seus cavalos novamente.
  - Idiotas, não percam tempo montando – disse Merlon passando pelas fileiras em direção à cidade -, deem-lhe tudo o que tem.
  Então o Dragão prendeu suas garras nos portões e os destruiu, uma pilha de escombros barrou a passagem, os cavaleiros que estavam ali não podiam sair, o Dragão desceu, e todos puderam contemplar sua majestade, sua fúria e seu rugido. O rugido de Lutheraxes foi tão alto e amedrontador que todos os Cavaleiros foram lançados ao solo, por cavalos assustados e descontrolados, alguns corriam e trombavam uns nos outros, Cavaleiros foram atropelados por suas montarias e o próprio Merlon beijou o chão. Um cavalo tentou passar por entre as patas do Dragão e foi devorado ali mesmo. O Dragão estava entre a cidade e aqueles que a guarneciam, as balistas já não serviam de nada e o caos se instalava fora dos portões. Merlon acenou para Lorde Grum e ele assentiu, rugiu uma ordem a seus Nascidos da Batalha e eles avançaram, em conjunto, em uma parede de grandes escudos, que facilmente cobririam um homem adulto. Merlon levantou-se e partiu em direção a parede de escudos. Argus tentava por os homens em fila novamente. Então a primeira baforada veio. Uma chama negra e fumaçante saiu da enorme boca do Dragão, rodopiando pelo ar.
  - Escudos! – Bradou Grum, e seus guerreiros baixaram seus escudos e formaram uma proteção perfeita.
  Merlon abaixou-se atrás dos escudos e dos guerreiros e não foi atingido, mas a primeira fileira de cavaleiros recebeu o fogo direto nos olhos, desorganizados e sem defesas poucos restaram.
  Merlon pediu um ataque mas as lanças que foram atiradas viraram cinzas no momento em que a segunda baforada veio. Mais cavaleiros caíram feridos, alguns escudos estavam em chamas e cavalos corriam em todas as direções, repletos de pavor.
  No momento em que ele passou por Merlon e a parede de escudos, foi que o velho se deu conta de sua presença. Renolon, que não havia caído nem tinha se queimado, cavalgou em direção a fera e disparou sua lança de arremesso, o Dragão foi pego de surpresa pelo Cavaleiro ainda montado, e sua garra traseira foi atravessada pela lança, no mesmo instante ele levantou voo, rugindo e passou novamente por cima dos homens, deu uma terceira baforada, mas essa foi menos eficiente, muitos se protegeram atrás de seus escudos e apenas o calor das chamas os queimaram, desceu novamente do outro lado, agora a cidade estava nas costas dos Cavaleiros. Merlon olhou e pode ver muitos homens tentando remover os escombros do portão.
  Correu novamente para a dianteira dos homens, então o Dragão o reconheceu.
  - Você? – perguntou o Dragão, com uma voz que mais parecia o rachar de uma montanha – Você já deveria estar morto! – e rugiu aos céus cravando suas garras na grama.
  A todo momento fumaça e névoa brotavam das asas do Dragão, e ele começou a ser envolvido pela densa sombra. Merlon apontou Mitrhiilden em sua direção, porém a espada não cantava nem vibrava.
  - Você luta do lado errado, Dragão.
  - E que lado seria o certo, o seu? Para que me roubem novamente? Jamais esquecerei o que fizeram, protegemos suas cidades, suas mulheres e suas crianças e como nos pagaram? Nos roubaram! – acusou o Dragão, sua voz era tão grave que os ouvidos de Merlon começavam a doer – Meus irmãos preferem fugir, eu prefiro lutar, e é isso que farei! – e partiu em disparada contra Merlon, correndo de forma desajeitada, com a cauda chicoteando a neblina, a baforada veio tão subitamente que Merlon mal pode abaixar, as chamas negras vieram lambendo o chão e só não o atingiu devido ao grande escudo de Renolon, que mais uma vez agiu de forma rápida.
  Agora eles tinham um campo de chamas, muitos cavaleiros caídos, cavalos fugindo em todas as direções, a fumaça do Dragão fazia com que seu olhos ardessem e ficassem vermelhos, Argus estava deitado sob um cavalo, agonizando de dor, os únicos guerreiros que ainda estavam em formação de batalha eram os Nascidos da Batalha, que estavam do outro lado do campo e a pé, o Dragão rugiu entre os dentes e preparou-se para acabar com o General e com o Príncipe.
  E aquilo que ninguém jamais poderia ter imaginado aconteceu.
  Ele veio cavalgando, pulou os escombros do portão, um salto que nenhum cavalo normal poderia ter dado, não era um príncipe, não usava armadura, não tinha um elmo com uma crina que voava ao vento, nem mesmo possuía uma espada,mas a vontade em seu espírito e sua determinação fizeram-no mais majestoso que Renolon no resgate na Colina de Mélis.
  Passou por Merlon e Renolon e foi de encontro ao Dragão, seus cabelos estavam mais compridos a cada dia, o que não agradaria sua mãe, olhou para o Dragão com olhos selvagens e empinou seu grande Gravas.
  - Você! Dragão! Me chamo Nogard, e juro por você e pelos seus oito irmãos que não deixarei você fazer mal aos meus amigos. – disse o garoto, sem desviar o olhar da enorme fera um instante sequer.
  O Dragão vacilou, deu um passo para trás, mostrou seus enormes dentes, suas narinas abriam e se fechavam, parecia surpreso, surpreso e realmente furioso, recuou mais um passo e a fumaça o cobriu novamente, apenas podia-se ver seus olhos em meio a neblina, duas bolas de fogo, vermelhas de ódio perante o desafio.

  - Você! Que se diz Nogard! Como ousa? – a voz de Lutheraxes soava mais alta do que anteriormente, Nogard piscou um olho devido à dor em seus ouvidos, mas não se moveu um centímetro sequer. O Dragão bateu sua garra no solo e uma mistura de grama e brasas subiu aos ares – Pagará pelo seu roubo, de uma forma ou de outra! Ladrão! – jogou seu enorme corpo nos ares, bateu suas asas e voltou para o sul, de onde havia saído naquela manhã, deixando para trás um campo de fogo e fumaça.



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