sexta-feira, 15 de novembro de 2013

Quero Ser Escritor 18 - A Inconfundível Clareza do Ser


"Uma manhã, quando Gregor Samsa acordou de seus sonhos agitados, encontrou-se em sua cama, transformado num horrível inseto. Deitado sobre suas costas cascudas. E se levantasse a cabeça um pouco ele teria visto sua barriga marrom, levemente arredondada e dividida em duas densas secções. Os lençóis mal eram capazes de cobri-lo e pareciam que escorregariam a qualquer momento. Suas muitas pernas, lamentavelmente finas se comparadas ao resto dele, acenavam impotentes enquanto ele as olhava. “O que aconteceu comigo?” Ele pensou. Não era um sonho. Seu quarto, um quarto próprio de um ser humano, embora um pouco pequeno, repousava tranquilamente entre as quatro familiares paredes... “Ó Deus!”, pensou, “Que vigorosa carreira esta que você escolheu! Viajando dia sim, dia não. Fazendo negócios como se isso demandasse muito mais esforço do que seus próprios assuntos domésticos, e acima de tudo, a maldição da viagem em si: aborrecimentos com as baldeações de trem, comida ruim e irregular, contatar pessoas diferentes o tempo todo, tanto que você nunca conseguia conhecer alguém ou se tornar amigo de alguém. Isto tudo podia ir para o Inferno!” – F. Kafka – Metamorfose

Nós seres humanos temos a linda capacidade de pensar, mesmo quando transformados numa barata.
Se ficamos “confusos”, “atordoados”, “desorientados” a primeira coisa que buscamos é clarear nossas ideias, limpar nossa mente e arranjar uma solução ou uma explicação para o estado de coisas em que nos encontramos. Não somos mentalmente atirados para esta ou aquela situação como um minúsculo inseto.
Narrar em primeira pessoa exige concentração no personagem para, não só viver, como também pensar como ele. O personagem em situação limite não diz somente “Estou confuso/atordoado/desorientado/qualquer outra emoção”, que pareça momentaneamente limitante, sem que pense numa explicação ou solução, mais nesta última do que na primeira. Instinto Primitivo + Raciocínio Lógico a melhor arma, melhor que qualquer espada, magia ou canhão.
A empatia com o personagem de primeira pessoa é maior, portanto nos arriscamos muito se o leitor achá-lo vazio desta mistura raciocínio+instinto, entenda-se como instinto, também aquele construído através de nossas vivências. Um personagem muito racional é um robô ou um alienígena. Se muito instintivo não resistirá muito tempo aos seus próprios erros e dependerá quase exclusivamente da sorte - um personagem cômico é geralmente mais instintivo e menos lógico.
Para delinear um personagem sugiro que pensem além do passado, das características físicas e emocionais que o trouxeram ao ponto em que a história se desenrola. A trama apresentará conflitos que serão entendidos e solucionados. Qual será a postura do seu personagem diante destes conflitos? Que linha de raciocínio+instinto usará? 



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