Capítulo
23 – A Queda dos Sentinelas
Os Bulks do Falso Reino atravessaram as montanhas,
bem antes do previsto por Merlon, aquela guerra sem sentido dos homens pôs a
todos em uma situação muito delicada. Os Postos de Sentinela caíram, a
principal defesa do reino, onde ficavam trinta mil homens bem treinados e
armados, trinta mil homens e apenas um sobreviveu.
Merlon estava agora em Fortaleza das Águas, a enorme
torre no centro de Lago do Rei. Suas paredes eram construídas com blocos
gigantescos, blocos negros que se aglutinavam e se encaixavam uns aos outros,
outra herança Banedúim conquistada pelos Jeh’khgari. Ali estavam os Lordes de
Força dos homens e de Porto Vitória, além de Mafilhem é claro, todas as
desavenças estavam perdoadas e todas as mágoas foram removidas de seus
corações, pois não havia espaço para mais nada neles, nada além do medo e do
pavor.
O velho General de Andor ordenou que dois mil homens,
de ambas as cidades, montassem um cinturão de contenção por toda a extensão da
parte Norte da Floresta Escura, aquilo não seguraria os Bulks mas eles teriam
uma informação à qualquer sinal de movimento das tropas inimigas. Merlon enviou
mensageiros a todas as cidades do Reino, e a todas as suas províncias e vilas
mais afastadas, a Longa Sombra do Sul estava se aproximando e Merlon queria que
todos estivessem cientes.
Estavam agora em um longo quarto da alta torre, ali
havia uma cama, uma cadeira de estofado vermelho, uma pequena escrivaninha com
muitas misturas e ervas. Na cama repousava o último Sentinela de Andor, Boghor,
Boghor o Último, agora ele era conhecido. Ele acordava de tempos em tempos e
dava muitas informações em um curto período de tempo, depois apenas se deitava
e dormia por dias, estivera dormindo por um longo tempo desde sua última
informação, mas agora acordava. Um Curista o tratava a dias, com poções e ervas
de cura, e agora o homem estava praticamente recuperado de seus ferimentos, seu
cavalo estava bom a algum tempo, havia se curado mais rapidamente que o seu
dono.
O Último Sentinela abriu os olhos e viu todos aqueles
homens ao seu redor.
- Gene...
Começou Boghor, se levantando, mas Merlon repousou
uma mão em seu peito, impedindo que o Sentinela saísse da cama.
- Acalme-se meu amigo, tente ficar acordado. – disse
o velho, com cortesia e educação, então virou-se e pediu para que todos se
retirassem, e assim eles fizeram. Merlon então puxou uma cadeira que estava
ali, era uma cadeira de estofado vermelho, muito confortável, sentou-se ao lado
da cama e acendeu seu velho e mordido cachimbo – Conte-me filho, o que mais
aconteceu?.
O homem fitou a janela à sua esquerda, lá fora o dia
brilhava mas não se via pássaros no céu, apenas as nuvens negras vindas do Sul.
- Foi como um pesadelo. Começou no final do dia,
ainda não era meio-dia mas já estava escuro. Quando as trombetas tocaram,
alguns homens estavam comendo, outros estavam trabalhando nos estábulos e
outros ainda dormiam da vigília da noite, foi quando eles vieram, um enorme
agrupamento de Bulks, dos maiores e mais ferozes que eu já vi, o olheiro da
torre estimou dez mil, mas havia mais deles. Emergiram das montanhas ao Sul de
Àguais, Bulks menores montados em Wargs e outras criaturas que nunca havíamos
visto antes, eram monstros lentos mas muito fortes e poderosos, eram um misto
dos búfalos do Norte com Bulks, e essas também eram montadas.
- Búfalos? Esses eu não conhecia. – disse Merlon, e
coçou a barba, então o mal cria novas sombras em seus desertos de
sal, pensou o velho.
- Pensamos em mandar mensageiros, os cavalos já
estavam prontos, e foi ai que fomos surpreendidos novamente. Bulks vinham do
Norte, saíam das árvores negras da Floresta Escura, com dentes e garras,
espadas e machados. Sabíamos que uma centena de Bulks atravessava o Paredão,
mas aquele número em muito superou as estimativas.
Merlon se surpreendeu com essa informação, franziu o
cenho.
- Quantos?
O Sentinela o encarou.
- O olheiro da torre estimou dois mil.
Mas isso é impossível, dois mil jamais
atravessariam o Paredão em tão pouco tempo.
- Eles vieram de ambos os lados, alguns
homens ainda calçavam suas botas quando os Bulks do Norte caíram sobre eles com
fúria em seus olhos. Tentamos defender a ala Norte mas os Postos não estavam
preparados para um ataque do Norte, nossas defesas eram voltadas para o Sul, e
para o Sul apenas, fizemos o que estava ao nosso alcance mas nada os detinha,
mais e mais Bulks vinham da floresta, e através das árvores podíamos ver olhos
vermelhos, criaturas sombrias que espreitavam, esperando a chance de conseguir
algum alimento ali.
Merlon estava muito triste com tudo aquilo, aqueles
eram bons homens, homens de honra que defendiam o Reino sem distinção.
Defendiam Curistas e envenenadores, Reis e fazendeiros, Lordes e mendigos,
homens e mulheres, crianças e velhos, nada os impedia de concluir sua tarefa.
Eles conteram centenas de ataques durante anos, muitos dos quais o Reino não
tinha ao menos conhecimento. Eram homens corajosos, homens que não esperavam
glória ou presentes, que vestiam suas armaduras verdes como os campos e ali o
defendiam, com espada e escudo, e acima de tudo coragem.
Boghor continuou.
- Perdemos tanto tempo lutando contra os Bulks das
florestas que quando percebemos já era tarde demais, as tropas do Sul já
estavam sobre nós, com novos e velhos monstros. E então ele apareceu, com sua
armadura dourada cravejada de esmeraldas.
Merlon lançou um olhar de desconfiança ao Último
Sentinela, ele conhecia tal armadura, mas ela não se encaixava ali de forma
alguma, estava completamente fora de lugar, e fora do tempo.
- De quem você está falando? – Perguntou o velho.
- Do Cavaleiro Dourado, aquele que liderava os
monstros do Sul. Os mais velhos gritaram seu nome em coro, chorando decepções e
lamentando a traição, eles disseram que não podia ser outro homem, era ele, ali
em nossa frente, de espada dourada em punho, seu peitoral possuía uma lança
fincada na lua. Eles o chamavam Jaoh’ndar o Destemido, tanto os nossos homens
quanto os Bulks que eram liderados por ele.
Merlon estava de olhos bem abertos, retirou o cachimbo
da boca vagarosamente e o repousou na coxa, parecia que estava em um terrível
pesadelo, do qual não podia acordar.
Jaoh’ndar se tornou Rei após a queda de Dorean, e foi
o melhor Rei que Andor já conheceu, mas seu coração bom o traiu, consumido pelo
remorso e pela compaixão ele promoveu uma excursão ao Deserto Branco, afim de
encontrar Dorean e trazê-lo de volta, ele ainda via esperança no antigo Rei,
mas ele acabou se perdendo, alguns Bulks os encontraram pelo caminho e
separaram a comitiva, Jaoh’ndar vagou nas dunas de sal até desaparecer
completamente, até agora.
Não pode ser, Jaoh’ndar não viveria tantos
anos. Isso é uma loucura sem tamanho, o poder das Sombras está crescendo, e
começa a me assustar, não posso deixar que ele sussurre em meus ouvidos,
isso seria o fim de Andor. E como ele lidera os Bulks? Onde está Dorean? Onde
está o Falso Rei? Pensou Merlon. Então levou o cachimbo a boca
novamente e soltou uma longa baforada no quarto. Boghor acompanhou a longa
fumaça até a janela, e se lembrou de mais.
- Eles começaram o massacre. Homens caíram à minha
direita e outros mais à minha esquerda, à frente os corpos de meus amigos eram
pisoteados, por botas de um negro aterrorizante, no Norte a floresta era um
caos, homens corriam para seu interior e eram surpreendidos por criaturas que
ali os aguardavam. Àguais fora incendiada, homens de fogo corriam pelo campo,
iluminando a noite com seus corpos incandescentes, lancei meu olhar ao Leste e
vi chamas nos outros Postos ao longe, Wargs se alimentavam no campo de batalha
e os terríveis Búfalos dos Bulks derrubavam as torres, as casas e os muros de
pedra, os estábulos eram cinzas e brasas, nada podia ser feito. Não havia mais
guarda. Não havia mais Sentinelas. Não havia mais esperança.
Merlon serviu um pouco de vinho ao homem, que bebeu
vigorosamente, de um gole só.
- Sinto muito meu caro, todos sentimos. – disse o
velho, não devia ter deixado aquele Warg espião escapar naquela noite
em Ferro Forte, estas criaturas não são donos de seus próprios olhos, as
Sombras e a Escuridão enxergam através de seu olhar, e Nogard foi
descoberto.
De fato o Warg havia delatado a presença do menino, o
Sul se agitou como a tempos não fazia, o mal sabia qual era a ligação do garoto
com Andor, e sabia o que residia nele. Kaman Aladhar despertou, e iniciou sua
monstruosa criação de monstros, onde eles eram criados e se multiplicavam, à
vontade de seu mestre, pois apenas ele sabia a ameaça que o encontraria, uma
ameaça que ele controlou, muitos anos atrás.
- Então eu decidi - continuou Boghor -, abandonei meu
posto, abandonei meus amigos, abandonei minha vida. Fugi e fugi, o mais que
pude, e eles me perseguiram através da floresta. Vi criaturas que jamais
poderei descrever e senti um medo que jamais poderei esquecer. Atravessei a
floresta horrenda, e depois vieram os Pântanos, ali eles ainda me perseguiram,
havia criaturas em todas as folhas, na água, e uma voz tentava me desanimar,
uma voz vinda não sei de onde. Fiquei preso entre galhos na água, eu e meu
cavalo, tentei escapar até que não tivesse mais forças. E fui atingido por
flechas, flechas negras e envenenadas. Fui cercado por Bulks, que riam a todo
momento, eles eram enormes, com longos cabelos negros e olhos vermelhos,
pensaram que eu morreria e me deixaram ali, na companhia das suas flechas. Mas
minha vergonha não me deixou morrer. A vergonha de ter abandonado meu posto. Eu
tinha que avisar, eu tinha que contar. – uma lágrima desceu pela face marcada
do homem, uma lágrima que era completamente justificada.
- Não se preocupe amigo – disse Merlon com um sorriso
bondoso -, você avisou, você contou, agora descanse.
O General de Andor se levantou e foi em direção à
porta.
- General. – chamou Boghor o Último, Merlon se virou
– Posso me juntar a vocês na batalha? Ainda não acabei com aqueles Bulks.
Merlon assentiu.
- Sim, é claro, assim que estiver melhor, agora
descanse bravo Sentinela, você deu uma chance de vida ao Reino.
Quando Merlon chegou ao salão principal, na base da
torre, todos o esperavam, havia uma longa mesa onde os Senhores sentavam-se,
homens que eram inimigos a menos de uma semana, algumas taças estavam na mesa
mas todas estavam vazias, nas paredes havia algumas flâmulas de tecido, onde o
estandarte de Lago do Rei repousava e enfeitava o salão, com a Torre Cinza
sobre fundo azul-marinho. Merlon caminhou até seu acento, uma enorme cadeira
acolchoada com tecidos avermelhados, e se sentou, ainda trazia seu cachimbo à
mão, ele pensava melhor quando estava com ele, o velho coçou a testa e afastou
a barba da mesa, suspirou e deu uma longa baforada, parecia exausto.
- Os Postos caíram de fato, ninguém sobreviveu, além
de Boghor. Provavelmente os do Sul estão em algum lugar entre a Floresta Escura
e os Campos de Vitendor.
- Mas que tristeza imensa essa que cai sobre nós –
disse Mafilhem, com sinceridade -, a tempos me pergunto se não seria melhor
procurar pelos Dragões.
Os Lordes coçaram suas barbas e ficaram
desconfortáveis, uma mulher muito bela, de cabelos dourados, adentrou o salão,
trazia um jarro de vinho nas mãos, serviu um por um. Merlon teve certeza de que
já havia visto aquela mulher em algum local.
- Qual seu nome, minha cara? – perguntou Merlon.
- Me chamo Veridia – disse a bela mulher, fazendo
Merlon se lembrar imediatamente de onde a conhecia -, está pouco o vinho,
Senhor? Posso servir mais.
Você não deveria estar aqui, será que terei
que colocar uma tranca naquela caverna? Pensou Merlon.
- Não minha cara, estou satisfeito. – disse Merlon,
que conhecia a mulher muito bem. Se dirigiu agora à Mafilhem – Não temos nenhum
Dragão em Andor no momento, Lorde, creio que devemos estudar os números e o
terreno, não poderemos contar com tais feras.
- Esses Covardes-alados iriam nos abandonar
novamente, em meio a tropas de Bulks e Wargs nojentos – disse Lorde Doufas -,
prefiro morrer a lutar ao lado daquelas feras amaldiçoadas.
- Dizemos muitas coisas durante a vida, Doufas de
Força dos Homens, e de muitas delas tiramos lições, dizer nunca hoje pode ser
um grande erro amanhã. - disse Merlon, e bebeu seu vinho.
- Tanto faz, o importante agora é não deixar essas
criaturas nos pegarem desprevenidos, não podemos cometer o mesmo erro dos
Postos de Sentinela. - disse Doufas.
- Não cometemos erro nenhum, Senhor. – disse Boghor,
estava parado na porta do salão, ainda estava meio atordoado mas conseguiu
caminhar até uma das cadeiras, novamente a bela mulher veio com seu jarro de
vinho e encheu o copo do Último Sentinela – Até onde sei foi o Senhor quem
cometeu um erro, com sua guerra sem sentido e sua perda de tempo.
Doufas não tinha resposta para isso.
- Todos podem ser corrompidos ao erro, Boghor – disse
Merlon -, conheci muitos guerreiros que eram de uma pureza sem igual, mas que
no final se tornaram coisas abomináveis, não tiro sua razão mas se quiser
enfrentar alguém enfrente aqueles Bulks que estão vindo para cá a qualquer
momento.
Boghor entendeu e assentiu, como um bom Sentinela.
- Devemos atacar o quanto antes? – perguntou Lorde
Mooner.
- Não. – respondeu Lorde Doufas – É muito cedo para
tal.
Merlon olhou para Doufas e sentiu falta de algo.
- Onde está seu parente, Doufas? – perguntou Merlon,
se referindo ao fato de não ter visto mais Vagros Relonis.
O sério Lorde bufou.
- Essa é uma boa pergunta, apenas não se esqueça de
avisar se souber a resposta, desejo cortar a cabeça daquele ali eu mesmo. –
respondeu Lorde Doufas.
- Enfim, não é o momento de atacar. – disse Merlon –
Devemos esperar os Ponta Lancenses, eu sei que eles estão distantes e que irão
demorar, mas não temos escolha, Pescoço dos Homens e seus Cavaleiros também
virão.
- E quanto a Chifre, Nona Ilha e todo o resto? –
perguntou Mafilhem.
- Também foram convocados, espero que compareçam.
Nona Ilha precisará de barcos Mooner, eles tem homens mas não tem embarcações.
O gordo Lorde respondeu de imediato.
- Eles os terão, apenas me diga quantos e onde e lá
eles vão estar, tantos navios quanto o mar puder abrigar.
O dia começava a se apagar, Merlon pode ver através
das janelas.
- Senhores, está começando uma nova era, e muitos de
nós não sobreviverão aos acontecimentos futuros, conto com vocês como nunca
contei antes, por favor não me decepcionem, novamente.
Mooner e Doufas trocaram olhares, talvez estivessem
tentando saber o que o outro estava pensando, mas não conseguiram, eles
compartilhavam apenas de um sentimento, medo.
-Você tem a minha palavra! – disse Lorde Doufas, a
Estrela Negra.
- Assim como a minha! – disse Lorde Mooner Ruivurso.
- Então que assim seja, agora esperaremos,
esperaremos as Sombras baterem em nossa porta, mas dessa vez estaremos de
prontidão, para reagir e atacar, estaremos esperando. – disse Merlon.
E fazer nossas orações para que
Lutheraxes não de o ar de sua graça, sem Nogard aqui suas chamas negras serão
um enorme problema.Encontrou algum erro, tem críticas ou sugestões?
Reaja e comente!!
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