sexta-feira, 14 de fevereiro de 2014

Nove Dragões - A Lenda de Nogard

Capítulo 23 – A Queda dos Sentinelas

  Os Bulks do Falso Reino atravessaram as montanhas, bem antes do previsto por Merlon, aquela guerra sem sentido dos homens pôs a todos em uma situação muito delicada. Os Postos de Sentinela caíram, a principal defesa do reino, onde ficavam trinta mil homens bem treinados e armados, trinta mil homens e apenas um sobreviveu.
  Merlon estava agora em Fortaleza das Águas, a enorme torre no centro de Lago do Rei. Suas paredes eram construídas com blocos gigantescos, blocos negros que se aglutinavam e se encaixavam uns aos outros, outra herança Banedúim conquistada pelos Jeh’khgari. Ali estavam os Lordes de Força dos homens e de Porto Vitória, além de Mafilhem é claro, todas as desavenças estavam perdoadas e todas as mágoas foram removidas de seus corações, pois não havia espaço para mais nada neles, nada além do medo e do pavor.
  O velho General de Andor ordenou que dois mil homens, de ambas as cidades, montassem um cinturão de contenção por toda a extensão da parte Norte da Floresta Escura, aquilo não seguraria os Bulks mas eles teriam uma informação à qualquer sinal de movimento das tropas inimigas. Merlon enviou mensageiros a todas as cidades do Reino, e a todas as suas províncias e vilas mais afastadas, a Longa Sombra do Sul estava se aproximando e Merlon queria que todos estivessem cientes.
  Estavam agora em um longo quarto da alta torre, ali havia uma cama, uma cadeira de estofado vermelho, uma pequena escrivaninha com muitas misturas e ervas. Na cama repousava o último Sentinela de Andor, Boghor, Boghor o Último, agora ele era conhecido. Ele acordava de tempos em tempos e dava muitas informações em um curto período de tempo, depois apenas se deitava e dormia por dias, estivera dormindo por um longo tempo desde sua última informação, mas agora acordava. Um Curista o tratava a dias, com poções e ervas de cura, e agora o homem estava praticamente recuperado de seus ferimentos, seu cavalo estava bom a algum tempo, havia se curado mais rapidamente que o seu dono.
  O Último Sentinela abriu os olhos e viu todos aqueles homens ao seu redor.
  - Gene...
  Começou Boghor, se levantando, mas Merlon repousou uma mão em seu peito, impedindo que o Sentinela saísse da cama.
  - Acalme-se meu amigo, tente ficar acordado. – disse o velho, com cortesia e educação, então virou-se e pediu para que todos se retirassem, e assim eles fizeram. Merlon então puxou uma cadeira que estava ali, era uma cadeira de estofado vermelho, muito confortável, sentou-se ao lado da cama e acendeu seu velho e mordido cachimbo – Conte-me filho, o que mais aconteceu?.
  O homem fitou a janela à sua esquerda, lá fora o dia brilhava mas não se via pássaros no céu, apenas as nuvens negras vindas do Sul.
  - Foi como um pesadelo. Começou no final do dia, ainda não era meio-dia mas já estava escuro. Quando as trombetas tocaram, alguns homens estavam comendo, outros estavam trabalhando nos estábulos e outros ainda dormiam da vigília da noite, foi quando eles vieram, um enorme agrupamento de Bulks, dos maiores e mais ferozes que eu já vi, o olheiro da torre estimou dez mil, mas havia mais deles. Emergiram das montanhas ao Sul de Àguais, Bulks menores montados em Wargs e outras criaturas que nunca havíamos visto antes, eram monstros lentos mas muito fortes e poderosos, eram um misto dos búfalos do Norte com Bulks, e essas também eram montadas.
  - Búfalos? Esses eu não conhecia. – disse Merlon, e coçou a barba, então o mal cria novas sombras em seus desertos de sal, pensou o velho.
  - Pensamos em mandar mensageiros, os cavalos já estavam prontos, e foi ai que fomos surpreendidos novamente. Bulks vinham do Norte, saíam das árvores negras da Floresta Escura, com dentes e garras, espadas e machados. Sabíamos que uma centena de Bulks atravessava o Paredão, mas aquele número em muito superou as estimativas.
  Merlon se surpreendeu com essa informação, franziu o cenho.
  - Quantos?
  O Sentinela o encarou.
  - O olheiro da torre estimou dois mil.
  Mas isso é impossível, dois mil jamais atravessariam o Paredão em tão pouco tempo.
  - Eles vieram de ambos os lados, alguns homens ainda calçavam suas botas quando os Bulks do Norte caíram sobre eles com fúria em seus olhos. Tentamos defender a ala Norte mas os Postos não estavam preparados para um ataque do Norte, nossas defesas eram voltadas para o Sul, e para o Sul apenas, fizemos o que estava ao nosso alcance mas nada os detinha, mais e mais Bulks vinham da floresta, e através das árvores podíamos ver olhos vermelhos, criaturas sombrias que espreitavam, esperando a chance de conseguir algum alimento ali.
  Merlon estava muito triste com tudo aquilo, aqueles eram bons homens, homens de honra que defendiam o Reino sem distinção. Defendiam Curistas e envenenadores, Reis e fazendeiros, Lordes e mendigos, homens e mulheres, crianças e velhos, nada os impedia de concluir sua tarefa. Eles conteram centenas de ataques durante anos, muitos dos quais o Reino não tinha ao menos conhecimento. Eram homens corajosos, homens que não esperavam glória ou presentes, que vestiam suas armaduras verdes como os campos e ali o defendiam, com espada e escudo, e acima de tudo coragem.
  Boghor continuou.
  - Perdemos tanto tempo lutando contra os Bulks das florestas que quando percebemos já era tarde demais, as tropas do Sul já estavam sobre nós, com novos e velhos monstros. E então ele apareceu, com sua armadura dourada cravejada de esmeraldas.
  Merlon lançou um olhar de desconfiança ao Último Sentinela, ele conhecia tal armadura, mas ela não se encaixava ali de forma alguma, estava completamente fora de lugar, e fora do tempo.
  - De quem você está falando? – Perguntou o velho.
  - Do Cavaleiro Dourado, aquele que liderava os monstros do Sul. Os mais velhos gritaram seu nome em coro, chorando decepções e lamentando a traição, eles disseram que não podia ser outro homem, era ele, ali em nossa frente, de espada dourada em punho, seu peitoral possuía uma lança fincada na lua. Eles o chamavam Jaoh’ndar o Destemido, tanto os nossos homens quanto os Bulks que eram liderados por ele.
  Merlon estava de olhos bem abertos, retirou o cachimbo da boca vagarosamente e o repousou na coxa, parecia que estava em um terrível pesadelo, do qual não podia acordar.
  Jaoh’ndar se tornou Rei após a queda de Dorean, e foi o melhor Rei que Andor já conheceu, mas seu coração bom o traiu, consumido pelo remorso e pela compaixão ele promoveu uma excursão ao Deserto Branco, afim de encontrar Dorean e trazê-lo de volta, ele ainda via esperança no antigo Rei, mas ele acabou se perdendo, alguns Bulks os encontraram pelo caminho e separaram a comitiva, Jaoh’ndar vagou nas dunas de sal até desaparecer completamente, até agora.
  Não pode ser, Jaoh’ndar não viveria tantos anos. Isso é uma loucura sem tamanho, o poder das Sombras está crescendo, e começa a me assustar, não posso deixar que ele sussurre em meus ouvidos, isso seria o fim de Andor. E como ele lidera os Bulks? Onde está Dorean? Onde está o Falso Rei? Pensou Merlon. Então levou o cachimbo a boca novamente e soltou uma longa baforada no quarto. Boghor acompanhou a longa fumaça até a janela, e se lembrou de mais.
  - Eles começaram o massacre. Homens caíram à minha direita e outros mais à minha esquerda, à frente os corpos de meus amigos eram pisoteados, por botas de um negro aterrorizante, no Norte a floresta era um caos, homens corriam para seu interior e eram surpreendidos por criaturas que ali os aguardavam. Àguais fora incendiada, homens de fogo corriam pelo campo, iluminando a noite com seus corpos incandescentes, lancei meu olhar ao Leste e vi chamas nos outros Postos ao longe, Wargs se alimentavam no campo de batalha e os terríveis Búfalos dos Bulks derrubavam as torres, as casas e os muros de pedra, os estábulos eram cinzas e brasas, nada podia ser feito. Não havia mais guarda. Não havia mais Sentinelas. Não havia mais esperança.
  Merlon serviu um pouco de vinho ao homem, que bebeu vigorosamente, de um gole só.
  - Sinto muito meu caro, todos sentimos. – disse o velho, não devia ter deixado aquele Warg espião escapar naquela noite em Ferro Forte, estas criaturas não são donos de seus próprios olhos, as Sombras e a Escuridão enxergam através de seu olhar, e Nogard foi descoberto.
  De fato o Warg havia delatado a presença do menino, o Sul se agitou como a tempos não fazia, o mal sabia qual era a ligação do garoto com Andor, e sabia o que residia nele. Kaman Aladhar despertou, e iniciou sua monstruosa criação de monstros, onde eles eram criados e se multiplicavam, à vontade de seu mestre, pois apenas ele sabia a ameaça que o encontraria, uma ameaça que ele controlou, muitos anos atrás.
  - Então eu decidi - continuou Boghor -, abandonei meu posto, abandonei meus amigos, abandonei minha vida. Fugi e fugi, o mais que pude, e eles me perseguiram através da floresta. Vi criaturas que jamais poderei descrever e senti um medo que jamais poderei esquecer. Atravessei a floresta horrenda, e depois vieram os Pântanos, ali eles ainda me perseguiram, havia criaturas em todas as folhas, na água, e uma voz tentava me desanimar, uma voz vinda não sei de onde. Fiquei preso entre galhos na água, eu e meu cavalo, tentei escapar até que não tivesse mais forças. E fui atingido por flechas, flechas negras e envenenadas. Fui cercado por Bulks, que riam a todo momento, eles eram enormes, com longos cabelos negros e olhos vermelhos, pensaram que eu morreria e me deixaram ali, na companhia das suas flechas. Mas minha vergonha não me deixou morrer. A vergonha de ter abandonado meu posto. Eu tinha que avisar, eu tinha que contar. – uma lágrima desceu pela face marcada do homem, uma lágrima que era completamente justificada.
  - Não se preocupe amigo – disse Merlon com um sorriso bondoso -, você avisou, você contou, agora descanse.
  O General de Andor se levantou e foi em direção à porta.
  - General. – chamou Boghor o Último, Merlon se virou – Posso me juntar a vocês na batalha? Ainda não acabei com aqueles Bulks.
  Merlon assentiu.
  - Sim, é claro, assim que estiver melhor, agora descanse bravo Sentinela, você deu uma chance de vida ao Reino.
  Quando Merlon chegou ao salão principal, na base da torre, todos o esperavam, havia uma longa mesa onde os Senhores sentavam-se, homens que eram inimigos a menos de uma semana, algumas taças estavam na mesa mas todas estavam vazias, nas paredes havia algumas flâmulas de tecido, onde o estandarte de Lago do Rei repousava e enfeitava o salão, com a Torre Cinza sobre fundo azul-marinho. Merlon caminhou até seu acento, uma enorme cadeira acolchoada com tecidos avermelhados, e se sentou, ainda trazia seu cachimbo à mão, ele pensava melhor quando estava com ele, o velho coçou a testa e afastou a barba da mesa, suspirou e deu uma longa baforada, parecia exausto.
  - Os Postos caíram de fato, ninguém sobreviveu, além de Boghor. Provavelmente os do Sul estão em algum lugar entre a Floresta Escura e os Campos de Vitendor.
  - Mas que tristeza imensa essa que cai sobre nós – disse Mafilhem, com sinceridade -, a tempos me pergunto se não seria melhor procurar pelos Dragões.
  Os Lordes coçaram suas barbas e ficaram desconfortáveis, uma mulher muito bela, de cabelos dourados, adentrou o salão, trazia um jarro de vinho nas mãos, serviu um por um. Merlon teve certeza de que já havia visto aquela mulher em algum local.
  - Qual seu nome, minha cara? – perguntou Merlon.
  - Me chamo Veridia – disse a bela mulher, fazendo Merlon se lembrar imediatamente de onde a conhecia -, está pouco o vinho, Senhor? Posso servir mais.
  Você não deveria estar aqui, será que terei que colocar uma tranca naquela caverna? Pensou Merlon.
  - Não minha cara, estou satisfeito. – disse Merlon, que conhecia a mulher muito bem. Se dirigiu agora à Mafilhem – Não temos nenhum Dragão em Andor no momento, Lorde, creio que devemos estudar os números e o terreno, não poderemos contar com tais feras.
  - Esses Covardes-alados iriam nos abandonar novamente, em meio a tropas de Bulks e Wargs nojentos – disse Lorde Doufas -, prefiro morrer a lutar ao lado daquelas feras amaldiçoadas.
  - Dizemos muitas coisas durante a vida, Doufas de Força dos Homens, e de muitas delas tiramos lições, dizer nunca hoje pode ser um grande erro amanhã. - disse Merlon, e bebeu seu vinho.
  - Tanto faz, o importante agora é não deixar essas criaturas nos pegarem desprevenidos, não podemos cometer o mesmo erro dos Postos de Sentinela. - disse Doufas.
  - Não cometemos erro nenhum, Senhor. – disse Boghor, estava parado na porta do salão, ainda estava meio atordoado mas conseguiu caminhar até uma das cadeiras, novamente a bela mulher veio com seu jarro de vinho e encheu o copo do Último Sentinela – Até onde sei foi o Senhor quem cometeu um erro, com sua guerra sem sentido e sua perda de tempo.
  Doufas não tinha resposta para isso.
  - Todos podem ser corrompidos ao erro, Boghor – disse Merlon -, conheci muitos guerreiros que eram de uma pureza sem igual, mas que no final se tornaram coisas abomináveis, não tiro sua razão mas se quiser enfrentar alguém enfrente aqueles Bulks que estão vindo para cá a qualquer momento.
  Boghor entendeu e assentiu, como um bom Sentinela.
  - Devemos atacar o quanto antes? – perguntou Lorde Mooner.
  - Não. – respondeu Lorde Doufas – É muito cedo para tal.
  Merlon olhou para Doufas e sentiu falta de algo.
  - Onde está seu parente, Doufas? – perguntou Merlon, se referindo ao fato de não ter visto mais Vagros Relonis.
  O sério Lorde bufou.
  - Essa é uma boa pergunta, apenas não se esqueça de avisar se souber a resposta, desejo cortar a cabeça daquele ali eu mesmo. – respondeu Lorde Doufas.
  - Enfim, não é o momento de atacar. – disse Merlon – Devemos esperar os Ponta Lancenses, eu sei que eles estão distantes e que irão demorar, mas não temos escolha, Pescoço dos Homens e seus Cavaleiros também virão.
  - E quanto a Chifre, Nona Ilha e todo o resto? – perguntou Mafilhem.
  - Também foram convocados, espero que compareçam. Nona Ilha precisará de barcos Mooner, eles tem homens mas não tem embarcações.
  O gordo Lorde respondeu de imediato.
  - Eles os terão, apenas me diga quantos e onde e lá eles vão estar, tantos navios quanto o mar puder abrigar.
  O dia começava a se apagar, Merlon pode ver através das janelas.
  - Senhores, está começando uma nova era, e muitos de nós não sobreviverão aos acontecimentos futuros, conto com vocês como nunca contei antes, por favor não me decepcionem, novamente.
  Mooner e Doufas trocaram olhares, talvez estivessem tentando saber o que o outro estava pensando, mas não conseguiram, eles compartilhavam apenas de um sentimento, medo.
  -Você tem a minha palavra! – disse Lorde Doufas, a Estrela Negra.
  - Assim como a minha! – disse Lorde Mooner Ruivurso.
  - Então que assim seja, agora esperaremos, esperaremos as Sombras baterem em nossa porta, mas dessa vez estaremos de prontidão, para reagir e atacar, estaremos esperando. – disse Merlon.
  E fazer nossas orações para que Lutheraxes não de o ar de sua graça, sem Nogard aqui suas chamas negras serão um enorme problema.



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