Capítulo 25 – Um Jardim
Merlon estava no topo da longa torre. Estava
com as mãos apoiadas nos beirais, observando o horizonte. O sol começava a
surgir do Leste, à sua frente estavam os sombrios e nebulosos Pântanos
Sombrios, onde pairava uma neblina inquietante. Logo após os Pântanos estava a
floresta, com suas árvores negras e apodrecidas.
Já havia se passado mais de um mês e ainda
ninguém havia chegado. E por sorte os Bulks se mantinham quietos, em silêncio.
A esperança do velho começava a morrer.
- É uma pena não? – perguntou a bela mulher que
servia o vinho de Mafilhem, seu nome era Veridia, e Merlon a conhecia a tempos.
Estava parada na escada que dava para o topo da torre. Era muito bela e seus
cabelos eram dourados - Como pode um jardim tão belo se tornar algo tão
sombrio.
O velho ferreiro olhou para as árvores, e
suspirou.
- Parece que toda beleza tem um fim aqui nessas
terras, me pergunto se um dia isso irá acabar. – disse Merlon, com tristeza em
sua voz – O Falso Rei e aquele à quem ele serve precisam ser destruídos, só
assim Andor terá uma chance.
Veridia se aproximou e olhou sobre a amurada.
- Não consigo me lembrar de como era, ainda a
vejo em meus sonhos, mas quando acordo ela esta assim, negra como carvão. –
disse Veridia, olhando para a floresta.
Merlon sabia que Veridia sentia falta de seu
amado, Undarlon. Mais uma vítima da invasão Jeh’khgari.
Undarlon havia feito um belo jardim, um jardim
tão longo e belo como jamais se havia visto antes. Suas plantas eram perfumadas
e suas árvores brilhavam como a lua. Ali corria um rio tão belo quanto os céus,
e sua cachoeira era conhecida por todos como as Lágrimas de Andor. Os jardins
de Undarlon eram tão belos que as criaturas não resistiram à sua pureza, e em
pouco tempo muitos animais estavam morando ali, em paz e harmonia com o velho
Banedúim. Ali ele pôs todo o seu amor e toda a sua bondade. Quando ele terminou
de plantar as últimas flores, ele ofereceu o jardim de presente à sua amada,
Veridia, e ali eles viveram durante anos, cercados pela floresta e pelos
animais. Enquanto Adarom estava preso no Sul.
Mas quando os Jeh’khgari libertaram o mal, e
tudo se perdeu, a floresta começou a mudar. Adarom começou a corromper os
animais, e ordenar que criaturas grotescas do Sul fossem para a floresta,
dentro de pouco tempo tudo se perdeu. As plantas morreram, o rio se tornou
asqueroso, as árvores se enegreceram e Undarlon se viu sem esperanças.
Veridia chamou seu amado, para que eles
fugissem dali, mas Undarlon se recusou a abandonar o local. Ele havia posto
todo o seu amor ali, e não deixaria o mal tomar aquilo que era seu por direito.
Veridia então fugiu, com lágrimas em seus olhos e medo em seu coração, deixando
seu amado para trás.
- Era belo, disso me lembro, tão belo que
emocionava até os mais rudes. Lembro de pássaros voando, com asas
multicoloridas. Lembro de coelhos correndo por todos os lados, e acima de tudo
lembro do sorriso de Undarlon. E de como ele amava os animais. – disse Merlon.
Uma lágrima molhou o rosto de Veridia.
- Já se arrependeu de algo Merlon? – perguntou
Veridia.
O velho General levou a mão à testa, e tocou
Decadência.
- Todos os dias, e toda vez que vejo meu
reflexo me lembro.
- Eu devia ter ficado. – disse Veridia, mais
lágrimas desciam de seus olhos – Não existe um dia sequer em que eu não pense
nele, em como era bondoso e alegre. Eu deveria ter ficado e morrido com ele. –
Então Veridia se afastou da amurada, lançou um último olhar triste para a
floresta e caminhou, em direção às escadas. Mas antes parou. – Faça um favor
para mim, Merlon?
O velho acenou positivamente.
- Prometa que não deixará que isso aconteça
novamente, com ninguém. Não deixe que dois corações se separem, não importa o
motivo. Tenho mil e oitocentos anos, e não vivi metade deles em alegria. Faça
isso não por mim. Faça pelo nosso povo. – disse Veridia e partiu sem esperar
resposta.
Eu
prometo, pensou o velho.
Merlon passou os olhos pelo local, estudando o
terreno. Ali em Fortaleza das Águas eram um alvo fácil, poderiam ser sitiados
sem esforço. Assim que os reforços chegassem eles deveriam marchar para o
Leste. Se ele posicionasse seus exércitos entre os Pântanos Sombrios e Bolkur,
talvez teriam uma chance.
- Não acho que seja ele – disse Merlon,
respondendo a pergunta de Decadência -, isso é impossível, ele jamais se
corromperia, eu o conhecia como a um irmão.
Parou alguns instantes, depois voltou a
responder uma pergunta que só ele ouviu.
- E o quê, em nome dos Dragões, você sabe sobre
Jaoh’ndar? Ora não me aborreça.
Então ele ouviu uma corneta.
E procurou com olhos aguçados, mas não
encontrou nenhum sinal de aviso ou de tambores, não eram os Bulks.
Ouviu novamente a trombeta.
Dessa vez o velho correu até a extremidade
Norte da torre, e desta vez ele viu algo, algo que o tranquilizou e o fez
sorrir brevemente.
Renolom,
nunca estive tão feliz em vê-lo, seus Cavaleiros chegam em um momento decisivo,
onde as esperanças desse velho começavam a fraquejar.
Mais de cinco mil Cavaleiros vinham do Norte, o
estandarte do Cavalo Prateado os guiava, todos se aproximando com armaduras e
provisões. Traziam muitos cavalos de reserva e mais ao longe Merlon pode ver
catapultas sobre rodas. Pescoço dos Homens havia atendido ao chamado.
Merlon desceu a longa torre. Lá embaixo a ponte
estava sendo baixada, trombetas anunciavam a chegada de reforços, e os homens
se encheram de esperanças mais uma vez. Bardos tocavam canções de boas vindas.
Mulheres preparavam banquetes para os Cavaleiros. Muitas crianças que queriam
se tornar Cavaleiros se aproximavam com olhos curiosos, um homem tentou
impedi-las mas foi atingido na virilha por um pontapé de um garoto, que ainda
lhe mostrou a língua em sinal de desafio. Merlon as viu e sorriu, e se lembrou
de Nogard, de como ele e Arwen desejavam se tornar um Cavaleiro.
Renolom vinha liderando as tropas, a crina de
seu majestoso elmo dançava pelos ares. Ele chegou e desmontou seu grande cavalo
de guerra. Merlon se aproximou com um sorriso e deu um abraço no belo
Cavaleiro.
- Meu amigo, que bom que veio. – disse Merlon.
- Perdoe-me a demora, Senhor, mas estava em
Angur, e só agora soube de sua mensagem.
Merlon estranhou.
- Angur?
Renolom olhou para os lados e convidou Merlon a
ir a um canto nos estábulos.
- Péssimas noticias para nós, meu bom General,
precisamos voltar, eu e você. Em direção a Angur.
- Mas agora é impossível, estamos no meio de
uma gu...
- Arelon está morrendo. – disse Renolom.
Mas
justamente nesse momento? Pensou Merlon.
- As pessoas morrem Renolom, é assim que é.
- Por favor Merlon deixe essas desavenças de
lado, o homem está à beira da morte, já é tempo de vocês se reconciliarem.
O General pôs as mãos na cintura e olhou para o
lado, tentando não dar atenção ao Cavaleiro da Cidade.
- E por que ele deseja me ver? – perguntou por
fim.
- Ele deseja ver seu filho, e sua mulher. Essas
foram suas palavras.
Merlon se viu em uma cruel encruzilhada, não
queria abandonar as defesas do Reino, mas não podia negar o pedido de um homem
em seu leito de morte. A amizade deles durou durante anos, ele pensava agora em
perdoar o velho Arelon. Além do mais havia coisas a serem ditas e explicadas, e
ele não desejava fazer isso sozinho.
- Está certo, me dê um momento, eu já lhe
encontro na ponte.
- Sim, obrigado Merlon – disse Renolom.
O General se encontrou com os Lordes no salão.
- Senhores, queiram me acompanhar. – disse o
velho, e levou os Senhores para uma sala privada. – Preciso ir a Angur.
Doufas, Mooner e Mafilhem se entreolharam.
- Está brincando numa hora dessas, General? –
disse Mooner achando graça.
- Receio que não, amigo, fui convocado por
Arelon, é uma emergência.
- E que emergência é maior que a defesa do
Reino, temos Bulks à nossa porta! – disse Doufas.
- Acalme-se Doufas, eu já vi isso antes. –
disse Mafilhem.
Merlon sabia que os homens falariam pelas suas costas.
Sabia que eles diriam que ele os abandonou uma vez e que agora ele o faria
novamente.
- Não estou fugindo, Senhores, voltarei assim
que possível.
- Espero que ainda haja alguém aqui quando
voltar. – disse Doufas e se retirou da sala.
- Jamais esperei isso de você General, não duas
vezes. – disse Mafilhem e também se retirou.
Apenas Merlon e Mooner ainda ficaram na sala.
- E então, Lorde de Porto Vitória, qual o seu
veredito?
Mooner olhou Merlon longamente, balançou a
cabeça e falou.
- Quer saber a verdade sobre o que Doufas disse
sobre mim?
Merlon não respondeu, sabia que aquele assunto
era delicado para Mooner.
- É verdade. Fui eu quem matei o filho da irmã
dele. – assumiu Mooner, para o espanto de Merlon – Mas não foi como todos
pensam, não houve sangue nem dor. Dafne sabia que quando seu filho se tornasse
adulto Doufas o tomaria para si, para treiná-lo e transformá-lo em uma Estrela
Negra. Ela me implorou para salvar o garoto desse destino. E eu o fiz, afinal
eu amava aquela mulher de todo o meu coração.
- E matar a criança foi a forma que você
encontrou de salvá-la? – perguntou Merlon ainda descrente.
Mooner sorriu.
- Ele está vivo, morando em Porto Vitória,
todos esses anos. Cresceu com um nome diferente e sempre foi tratado com
carinho em minha cidade. Ele se tornou meu arauto, Arierom, deve ter visto ele
no dia do julgamento. A questão aqui Merlon, é a verdade escondida na mentira,
se eu não tivesse mentido, se eu não tivesse criado uma guerra, esta criança estaria
morta. Se valeria a pena perder milhares de vidas por uma só? Isso eu não sei
dizer, sei apenas que fiz a minha parte, e me sinto bem com isso. O conheço a
tempos, velho amigo, e sei que sua parte ainda não terminou, vá para Angur em
segurança, eu guardo a torre e ponho os homens juntos mais uma vez. – disse
Mooner, para o alívio de Merlon.
- Ruivurso, meu amigo, lembre-me de lhe
agradecer quando tudo isso acabar, está bem?
- Você já me agradeceu, velho amigo, agora vá.
Merlon deu um abraço em Mooner e se retirou da
sala.
Renolom já estava na ponte, montava seu cavalo
e segurava Sofhlax pelas rédeas.
- Está pronto? – perguntou quando viu Merlon.
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