sexta-feira, 28 de fevereiro de 2014

Nove Dragões - A Lenda Nogard

Capítulo 25 – Um Jardim


   Merlon estava no topo da longa torre. Estava com as mãos apoiadas nos beirais, observando o horizonte. O sol começava a surgir do Leste, à sua frente estavam os sombrios e nebulosos Pântanos Sombrios, onde pairava uma neblina inquietante. Logo após os Pântanos estava a floresta, com suas árvores negras e apodrecidas.
   Já havia se passado mais de um mês e ainda ninguém havia chegado. E por sorte os Bulks se mantinham quietos, em silêncio. A esperança do velho começava a morrer.
   - É uma pena não? – perguntou a bela mulher que servia o vinho de Mafilhem, seu nome era Veridia, e Merlon a conhecia a tempos. Estava parada na escada que dava para o topo da torre. Era muito bela e seus cabelos eram dourados - Como pode um jardim tão belo se tornar algo tão sombrio.
   O velho ferreiro olhou para as árvores, e suspirou.
   - Parece que toda beleza tem um fim aqui nessas terras, me pergunto se um dia isso irá acabar. – disse Merlon, com tristeza em sua voz – O Falso Rei e aquele à quem ele serve precisam ser destruídos, só assim Andor terá uma chance.
   Veridia se aproximou e olhou sobre a amurada.
   - Não consigo me lembrar de como era, ainda a vejo em meus sonhos, mas quando acordo ela esta assim, negra como carvão. – disse Veridia, olhando para a floresta.
   Merlon sabia que Veridia sentia falta de seu amado, Undarlon. Mais uma vítima da invasão Jeh’khgari.
   Undarlon havia feito um belo jardim, um jardim tão longo e belo como jamais se havia visto antes. Suas plantas eram perfumadas e suas árvores brilhavam como a lua. Ali corria um rio tão belo quanto os céus, e sua cachoeira era conhecida por todos como as Lágrimas de Andor. Os jardins de Undarlon eram tão belos que as criaturas não resistiram à sua pureza, e em pouco tempo muitos animais estavam morando ali, em paz e harmonia com o velho Banedúim. Ali ele pôs todo o seu amor e toda a sua bondade. Quando ele terminou de plantar as últimas flores, ele ofereceu o jardim de presente à sua amada, Veridia, e ali eles viveram durante anos, cercados pela floresta e pelos animais. Enquanto Adarom estava preso no Sul.
   Mas quando os Jeh’khgari libertaram o mal, e tudo se perdeu, a floresta começou a mudar. Adarom começou a corromper os animais, e ordenar que criaturas grotescas do Sul fossem para a floresta, dentro de pouco tempo tudo se perdeu. As plantas morreram, o rio se tornou asqueroso, as árvores se enegreceram e Undarlon se viu sem esperanças.
   Veridia chamou seu amado, para que eles fugissem dali, mas Undarlon se recusou a abandonar o local. Ele havia posto todo o seu amor ali, e não deixaria o mal tomar aquilo que era seu por direito. Veridia então fugiu, com lágrimas em seus olhos e medo em seu coração, deixando seu amado para trás.
   - Era belo, disso me lembro, tão belo que emocionava até os mais rudes. Lembro de pássaros voando, com asas multicoloridas. Lembro de coelhos correndo por todos os lados, e acima de tudo lembro do sorriso de Undarlon. E de como ele amava os animais. – disse Merlon.
   Uma lágrima molhou o rosto de Veridia.
   - Já se arrependeu de algo Merlon? – perguntou Veridia.
   O velho General levou a mão à testa, e tocou Decadência.
   - Todos os dias, e toda vez que vejo meu reflexo me lembro.
   - Eu devia ter ficado. – disse Veridia, mais lágrimas desciam de seus olhos – Não existe um dia sequer em que eu não pense nele, em como era bondoso e alegre. Eu deveria ter ficado e morrido com ele. – Então Veridia se afastou da amurada, lançou um último olhar triste para a floresta e caminhou, em direção às escadas. Mas antes parou. – Faça um favor para mim, Merlon?
   O velho acenou positivamente.
   - Prometa que não deixará que isso aconteça novamente, com ninguém. Não deixe que dois corações se separem, não importa o motivo. Tenho mil e oitocentos anos, e não vivi metade deles em alegria. Faça isso não por mim. Faça pelo nosso povo. – disse Veridia e partiu sem esperar resposta.
   Eu prometo, pensou o velho.
   Merlon passou os olhos pelo local, estudando o terreno. Ali em Fortaleza das Águas eram um alvo fácil, poderiam ser sitiados sem esforço. Assim que os reforços chegassem eles deveriam marchar para o Leste. Se ele posicionasse seus exércitos entre os Pântanos Sombrios e Bolkur, talvez teriam uma chance.
   - Não acho que seja ele – disse Merlon, respondendo a pergunta de Decadência -, isso é impossível, ele jamais se corromperia, eu o conhecia como a um irmão.
   Parou alguns instantes, depois voltou a responder uma pergunta que só ele ouviu.
   - E o quê, em nome dos Dragões, você sabe sobre Jaoh’ndar? Ora não me aborreça.
   Então ele ouviu uma corneta.
   E procurou com olhos aguçados, mas não encontrou nenhum sinal de aviso ou de tambores, não eram os Bulks.
   Ouviu novamente a trombeta.
   Dessa vez o velho correu até a extremidade Norte da torre, e desta vez ele viu algo, algo que o tranquilizou e o fez sorrir brevemente.
   Renolom, nunca estive tão feliz em vê-lo, seus Cavaleiros chegam em um momento decisivo, onde as esperanças desse velho começavam a fraquejar.
   Mais de cinco mil Cavaleiros vinham do Norte, o estandarte do Cavalo Prateado os guiava, todos se aproximando com armaduras e provisões. Traziam muitos cavalos de reserva e mais ao longe Merlon pode ver catapultas sobre rodas. Pescoço dos Homens havia atendido ao chamado.
   Merlon desceu a longa torre. Lá embaixo a ponte estava sendo baixada, trombetas anunciavam a chegada de reforços, e os homens se encheram de esperanças mais uma vez. Bardos tocavam canções de boas vindas. Mulheres preparavam banquetes para os Cavaleiros. Muitas crianças que queriam se tornar Cavaleiros se aproximavam com olhos curiosos, um homem tentou impedi-las mas foi atingido na virilha por um pontapé de um garoto, que ainda lhe mostrou a língua em sinal de desafio. Merlon as viu e sorriu, e se lembrou de Nogard, de como ele e Arwen desejavam se tornar um Cavaleiro.
   Renolom vinha liderando as tropas, a crina de seu majestoso elmo dançava pelos ares. Ele chegou e desmontou seu grande cavalo de guerra. Merlon se aproximou com um sorriso e deu um abraço no belo Cavaleiro.
   - Meu amigo, que bom que veio. – disse Merlon.
   - Perdoe-me a demora, Senhor, mas estava em Angur, e só agora soube de sua mensagem.
   Merlon estranhou.
   - Angur?
   Renolom olhou para os lados e convidou Merlon a ir a um canto nos estábulos.
   - Péssimas noticias para nós, meu bom General, precisamos voltar, eu e você. Em direção a Angur.
   - Mas agora é impossível, estamos no meio de uma gu...
   - Arelon está morrendo. – disse Renolom.
   Mas justamente nesse momento? Pensou Merlon.
   - As pessoas morrem Renolom, é assim que é.
   - Por favor Merlon deixe essas desavenças de lado, o homem está à beira da morte, já é tempo de vocês se reconciliarem.
   O General pôs as mãos na cintura e olhou para o lado, tentando não dar atenção ao Cavaleiro da Cidade.
   - E por que ele deseja me ver? – perguntou por fim.
   - Ele deseja ver seu filho, e sua mulher. Essas foram suas palavras.
   Merlon se viu em uma cruel encruzilhada, não queria abandonar as defesas do Reino, mas não podia negar o pedido de um homem em seu leito de morte. A amizade deles durou durante anos, ele pensava agora em perdoar o velho Arelon. Além do mais havia coisas a serem ditas e explicadas, e ele não desejava fazer isso sozinho.
   - Está certo, me dê um momento, eu já lhe encontro na ponte.
   - Sim, obrigado Merlon – disse Renolom.
   O General se encontrou com os Lordes no salão.
   - Senhores, queiram me acompanhar. – disse o velho, e levou os Senhores para uma sala privada. – Preciso ir a Angur.
   Doufas, Mooner e Mafilhem se entreolharam.
   - Está brincando numa hora dessas, General? – disse Mooner achando graça.
   - Receio que não, amigo, fui convocado por Arelon, é uma emergência.
   - E que emergência é maior que a defesa do Reino, temos Bulks à nossa porta! – disse Doufas.
   - Acalme-se Doufas, eu já vi isso antes. – disse Mafilhem.
   Merlon sabia que os homens falariam pelas suas costas. Sabia que eles diriam que ele os abandonou uma vez e que agora ele o faria novamente.
   - Não estou fugindo, Senhores, voltarei assim que possível.
   - Espero que ainda haja alguém aqui quando voltar. – disse Doufas e se retirou da sala.
   - Jamais esperei isso de você General, não duas vezes. – disse Mafilhem e também se retirou.
   Apenas Merlon e Mooner ainda ficaram na sala.
   - E então, Lorde de Porto Vitória, qual o seu veredito?
   Mooner olhou Merlon longamente, balançou a cabeça e falou.
   - Quer saber a verdade sobre o que Doufas disse sobre mim?
   Merlon não respondeu, sabia que aquele assunto era delicado para Mooner.
   - É verdade. Fui eu quem matei o filho da irmã dele. – assumiu Mooner, para o espanto de Merlon – Mas não foi como todos pensam, não houve sangue nem dor. Dafne sabia que quando seu filho se tornasse adulto Doufas o tomaria para si, para treiná-lo e transformá-lo em uma Estrela Negra. Ela me implorou para salvar o garoto desse destino. E eu o fiz, afinal eu amava aquela mulher de todo o meu coração.
   - E matar a criança foi a forma que você encontrou de salvá-la? – perguntou Merlon ainda descrente.
   Mooner sorriu.
   - Ele está vivo, morando em Porto Vitória, todos esses anos. Cresceu com um nome diferente e sempre foi tratado com carinho em minha cidade. Ele se tornou meu arauto, Arierom, deve ter visto ele no dia do julgamento. A questão aqui Merlon, é a verdade escondida na mentira, se eu não tivesse mentido, se eu não tivesse criado uma guerra, esta criança estaria morta. Se valeria a pena perder milhares de vidas por uma só? Isso eu não sei dizer, sei apenas que fiz a minha parte, e me sinto bem com isso. O conheço a tempos, velho amigo, e sei que sua parte ainda não terminou, vá para Angur em segurança, eu guardo a torre e ponho os homens juntos mais uma vez. – disse Mooner, para o alívio de Merlon.
   - Ruivurso, meu amigo, lembre-me de lhe agradecer quando tudo isso acabar, está bem?
   - Você já me agradeceu, velho amigo, agora vá.
   Merlon deu um abraço em Mooner e se retirou da sala.
   Renolom já estava na ponte, montava seu cavalo e segurava Sofhlax pelas rédeas.
   - Está pronto? – perguntou quando viu Merlon.

   - Sim. – disse Merlon montando seu cavalo magricela – Vamos, agora precisamos convencer Serena a ver seu antigo marido, algo que não será fácil.



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