Capítulo 28 - Uma fuga inesperada.
Já era noite. Nogard estava deitado em sua
cama, olhando para o teto, pensando em tudo que havia acontecido nos últimos
meses, parece que vivi uma vida toda
dentro de meio ano, pensava o garoto. Realmente muitas coisas haviam
acontecido em um curto espaço de tempo, Nogard sentia isso nos músculos de seu
corpo, resultado do treinamento de Rikkar Cruzanorte. O que ele não sabia no
entanto era que estava apenas começando a viver, e que ainda viriam muitas
coisas mais. Decidiu que leria um pouco, pegou seu livro vermelho e o abriu,
onde havia marcado uma página.
Conseguimos
destruí-los, isso é fantástico essas feras são as coisas
mais inacreditáveis e poderosas que já conheci em minha vida.
Hoje
decidi que apresentarei Mélis a todos, como uma Jeh’khgari que veio escondida
nos navios.
Ela me
ensina coisas a todo momento, coisas sobre a natureza e sobre os Dragões, como
são chamadas essas feras, coisas sobre a terra e o mar, sobre as nuvens e os
ares, como essa terra é bela, ela disse que tudo é criação de Maenádúe, a Deusa
dos Banedúim.
Ela me
beijou.
Parece
que estamos nos apaixonando cada vez mais, já não sei se toda essa destruição
foi necessária, se todo esse caos foi realmente a melhor maneira de conquistar
essas terras.
Joh’han
apareceu a mim novamente, em meus sonhos, ele me agradeceu por ter
reconquistado um lugar que sempre foi seu, e me disse que eu deveria me casar
com uma Jeh’khgari o quanto antes, disse que me vigia e me observa.
Anunciei
hoje, perante Dorean, que irei me casar, mas não poderia mentir para Mélis, nem
para mim mesmo, me casarei com a bela Banedúim, já não posso mais viver sem
ela, e ela sente o mesmo.
Me
encontrei com um Banedúim desgarrado hoje, não sei se foi Mélis quem me mudou
mas definitivamente não sou o mesmo, não ataquei o velho, e ainda fiz amizade
com ele, ele se chama Merlon, e me desejou sorte e saúde em meu casamento.
Merlon
agora vive em meio ao exército, como meu convidado, apesar do velho ser alto e
ter uma longa barba ninguém desconfia de nada, creio que os Jakar de
meu irmão se acomodaram com a proteção dos Dragões.
Hoje me
casei com Mélis, quando ficamos a sós não pude encará-la, apenas me desculpei
por Artaroth, ela me consolou e disse que tudo já havia sido visto por um homem
chamado Belindor, a invasão dos povos do Leste, a queda dos Banedúim, a morte
de Artaroth, e também a dela, não posso imaginar tal destino, não saberei como
viver sem minha amada Mélis.
Meu velho
livro vermelho, a tempos não escrevo em ti, hoje nasceram meus filhos, eles são
três e nasceram no mesmo dia, infelizmente perdi minha amada.
Nogard começava a ficar com pena de Jaoh’ndar.
Havia invadido Andor e vencido a guerra, devido aos Dragões, mas começou a
ficar contente apenas quando se viu ao lado de Mélis. Agora ele estava sozinho,
sem sua amada, e com três crianças para criar, será que foi um erro invadir Andor? Se questionava Nogard.
Então ele ouviu gritos, vindos de fora, uma
algazarra de vozes graves. Nogard pulou da cama e pegou sua espada, saiu do
quarto com olhos cegos e de espada em mãos. Mas no pátio superior não havia
ninguém além de Jih’ndo, de pé e com os braços cruzados.
Os gritos e berros vinham do pátio inferior,
próximo à entrada da cidade. Nogard percebeu que eram homens incitando outros a
lutar.
- O que está havendo Jih’ndo? – perguntou o
garoto, ainda assustado.
Jih’ndo apontou para o pátio inferior.
- Nada alarmante, apenas um nascimento em
Pontas de Lança.
No pátio inferior haviam muitos homens e
mulheres. Vários homens formavam um círculo, e gritavam para os dois velhos que
lutavam ali. Palavras que incitavam luta e força.
- São dois... senhores, que lutam ali? –
perguntou o garoto. Então percebeu que um homem segurava um bebe nos ares. Esse
homem era Grum.
Jih’ndo explicou.
- Todos aqueles que nascem aqui devem ser
sagrados Nascidos da Batalha, Nogard. E quando não ha guerras em andamento se
promove uma batalha interna, entre os dois homens mais velhos da cidade.
Acredita-se que Joh’han troca uma vida nova por uma vida já usada e desgastada.
Os velhos continuavam lutando lá embaixo. Com
espadas e escudos, pareciam muito velhos mas eram sérios e disciplinados.
Nenhum golpe era desferido sem a certeza de que acertaria o escudo ou a carne
do inimigo.
- Troca?
- É o costume Nogard. – disse Jih’ndo, seus
cabelos estavam presos no alto da cabeça e as pontas voavam ao vento – Em
Jeeh’kar é assim que se faz, é assim que se mantem um exército forte e
jovem, e é assim que Joh’han ordena. Não podemos negar aquilo que nosso Deus
diz, isso não se deve fazer nunca, definitivamente.
Nogard se sentia incomodado em ver aqueles
velhos lutando por suas vidas. Os homens gritavam como loucos por toda a volta,
e o bebê não parava de chorar, enrolado em grossas peles.
Então um dos anciões golpeou forte, um golpe de
cima para baixo. O outro defendeu mas perdeu o equilíbrio, seu escudo foi
jogado para trás e ele caiu sobre um joelho. Então o que estava de pé desferiu
um golpe com o punho cerrado na boca do velho, que caiu sem reação, desmaiado.
Mas ainda não tinha acabado, o outro chegou por cima e o agarrou pelos cabelos,
expondo o pescoço do outro velho à lâmina de sua espada.
Nogard estava impressionado, e zangado ao mesmo
tempo, isso não é certo, ele já
estava rendido e desacordado, pensou o garoto tocando o cabo de
Luxímera.
Jih’ndo percebeu.
- Nem pense nisso Nogard, não será bom para
ninguém, você não trará ele de volta, se nenhum deles morresse a criança não
seria aceita, quando alguém nasce alguém tem de morrer Nogard, é assim em
Pontas de Lança.
Nogard se irritou e voltou para seu quarto. Se
deitou e deixou sua ira passar.
Algum tempo se passou. E alguém bateu à porta,
algo raro naquele quarto.
- Entre, está aberta. – disse o garoto.
Jih’ndo pôs a cabeça para dentro, e depois
entrou.
- Está mais calmo? – perguntou Jih’ndo. Nogard
acenou que sim – Então meu jovem amigo, como anda o seu treinamento?
Nogard se apoiou nos cotovelos e se sentou na
cama. Jih’ndo percebeu como a camisa estava ficando pequena para o garoto. Além
de Nogard ficar mais alto a cada dia, agora também ficava mais forte. Seus
músculos estavam se desenvolvendo rapidamente, e agora ele tinha braços grossos
e ombros largos, além dos cabelos extremamente compridos.
- Bem, Rikkar não é como os outros Ponta
Lancenses, ele não pensa só em batalhas. – disse Nogard se referindo ao
acontecimento no pátio inferior - Ele também me conta histórias, histórias de
como surgiram as coisas e de como ele é bom guerreiro, algo que ele faz questão
de me lembrar a cada dez segundos. Mas não é má pessoa. Sinto isso nele. –
disse o garoto.
- É verdade, Rikkar não é um homem mal, apenas
devaneia demais em suas histórias, como você já deve ter percebido.
Nogard assobiou longamente.
- E como, sabe o que ele me disse ontem? Sobre
como as Nove Ilhas surgiram.
Jih’ndo sorriu.
- Nem em mil anos eu adivinharia, minha
imaginação não se compara à de Cruzanorte.
- Ele me disse que havia matado uma criatura de
Jeh’khgar, chamada Elefante, e que sua coxa era mil vezes maior que uma coxa de
carneiro. Disse que a trouxe nas costas enquanto nadava até aqui, através do
Mar da Névoa. Depois, quando chegou, assou a coxa do animal nas chamas do
Dragão de Fogo, a comeu durante dois dias sem parar, e quando foi se livrar do
osso atirou ele na borda Oeste de Andor. O impacto foi tão violento que nove
pedaços se desprenderam da enorme massa de terra e formaram as Nove Ilhas.
Nogard e Jih’ndo riram juntos. Então eles
escutaram uma trombeta soar.
Imediatamente correram para fora e lançaram
seus olhares para a entrada de Pontas de Lanças, lá embaixo. E viram quando
dois homens se aproximavam a cavalo.
- Quem são? – disse Nogard tentando distinguir
as figuras, mas estavam muito acima deles e nevava muito ali.
Jih’ndo sabia quem eram, ele já sabia a algum
tempo, suas moedas de ouro lhe traziam informações preciosas.
- São Edaliom e Merlon, e eles vem para te
levar. – disse o belo Jeh’khgari.
Nogard se espantou.
- Mas agora? Ainda não se passaram seis meses.
- Nem tudo o que planejamos sai como esperamos
jovem. Agora pegue seus pertences e nos encontre lá embaixo, vamos para Angur,
Arwen já esta ciente. Mas não demore, eles devem ter muita pressa. – disse
Jih’ndo e começou a descer.
Nogard correu até seu quarto e pegou suas
coisas, colocou tudo em um grande saco, o jogou nas costas e pegou Luxímera.
Quando saiu da sala Rikkar o aguardava.
- Ia embora sem agradecer Rikkar Cruzanorte? –
perguntou o alto treinador. Nogard notou que Rikkar disse agradecer ao invés de se despedir. Mas não disse nada.
- Muito obrigado Senhor, pelo seu tr...
Rikkar abraçou o garoto e o suspendeu no ar,
Nogard sentiu os músculos do peito do treinador o apertarem e retirarem-lhe o
ar.
- Sen... não con... respir...
Só então Cruzanorte viu que estava sufocando o
garoto.
- Desculpe-me jovem, Rikkar Cruzanorte não pode
controlar sua imensa força.
Até
aqui Rikkar, até no momento em que nos despedimos você vai se vangloriar? Pensou
Nogard.
Então Rikkar se abaixou sobre um joelho, e
fitou Nogard nos olhos.
- O treinamento ainda não terminou. Preste
atenção a essa última lição. – disse Cruzanorte - Cuidado com o caminho que
você vai trilhar. Não se assuste quando se deparar com uma estrada tortuosa e
sem vida, às vezes esse é o melhor caminho. Se assuste quando ver belas
estradas e belas paisagens, com muitas pessoas para lhe ajudar. Pois nem tudo
aquilo que parece de fato é. Se lhe contei mentiras todos esses dias? Não se
pode dizer. Mas uma coisa é certa, eu lhe disse as minhas verdades, e é com
elas que vivo e é delas que tiro minhas felicidades. Na vida às vezes devemos
contrariar tudo aquilo que está à nossa volta, tudo aquilo que os outros acham,
para ir de acordo com tudo aquilo em que acreditamos ser certo. Você entendeu?
Você escutou?
- Sim.
- E por último. Jamais diga que não será
influenciado pelo mal, antes de se ver perante as Sombras. Até mesmo os mais
puros de coração podem ser tomados de ódio e ira, e é nesses momentos que se é
ludibriado.
Nogard nunca viu Rikkar falar tão sério, o
garoto engoliu seco e assentiu.
- Sim, senhor. – respondeu.
Rikkar se levantou e bagunçou os cabelos do seu
aluno.
- Então vá e nunca se esqueça quem você é. –
disse por fim Rikkar, e seguiu seu caminho em direção à forja.
Nogard ficou ali, parado, durante alguns
instantes. Pensando em coisas que só ele sabia, coisas sobre Jaoh’ndar, sobre
Mélis e sobre Arwen.
Então resolveu descer. E quem ele viu o encheu
de alegria.
- Merlon! – gritou o garoto, jogando o saco de
lado e correndo para os braços do velho ferreiro.
Grum cuspiu de lado.
Mas Merlon sorriu, e seu sorriso era bondoso e
fraterno, meu garoto, como você
cresceu, pensou o velho. E eles se abraçaram.
- Como você está meu amigo? – perguntou Merlon
- Estou ótimo, mas agora estou melhor, por onde
você andou?
Merlon se levantou.
- É uma longa história, eu lhe contarei no
caminho para Angur, sua mãe o espera.
O garoto olhou para todos ali.
- Ela está bem?
- Sim, ela sim, mas outra pessoa está muito
doente e deseja lhe ver. – disse Merlon. Então apresentou Edaliom, que ainda
estava em seu cavalo azulado – Creio que já conhece Edaliom.
- Nogard, você cresceu depressa, creio que o
treinamento foi de bom proveito, sinto muito interrompermos, mas é necessário.
– disse Edaliom e fez uma reverencia.
- Sim senhor, confio em Merlon, vocês devem ter
um bom motivo. – disse Nogard.
Então veio Guillar, correndo desajeitadamente,
com seu saco sujo nas costas e bebendo de uma garrafa qualquer. Sua barba
estava completamente vermelha, pois devido à sua corrida derramava mais vinho
nela do que bebia de fato.
- Ufa, quase me atrasei. – disse Guillar, e riu
como apenas ele ria.
Merlon lançou-lhe um olhar de suas densas
sobrancelhas que fez o bardo ficar branco como a neve, mais um, será que aquela caverna maldita
esta vazia a essa altura? Pensou Merlon.
- O quê, em nome de todas as criaturas desse
mundo e de qualquer outro, você está fazendo aqui, Guillar? Perguntou Merlon.
Todos ficaram quietos. Merlon parecia realmente
bravo e irritado.
- Cantando? – disse Guillar.
Então Merlon o olhou no fundo dos olhos.
Guillar sorriu como um velhinho bondoso e
ofereceu um gole ao velho General.
Merlon segurou um sorriso e Nogard riu
abertamente.
- Iremos conversar no momento certo, Senhor
Bardo Bêbado. Vamos Nogard,chame seu Arkas, precisamos ir o quant...
- Senhores, me perdoem a intromissão. – uma
mulher se apresentou, era uma senhora muito velha. Nogard a reconheceu, sempre
a via entrando e saindo de onde ficavam as mulheres e garotas.
- O que houve Sira? – perguntou Jih’ndo.
- A garota... ela... não foi minha culpa... ela
é impossível...
- Ora desembuche de uma vez por todas mulher. –
disse Grum.
- Ela fugiu! – disse a mulher entre lágrimas –
Ela pegou um cavalo, e uma espada que ela tinha escondido de nós e fugiu.
Merlon havia chegado pelo único caminho para a
cidade, e não viu Arwen em nenhum momento. O General pensou em perguntar se
fazia muito tempo, mas Nogard o surpreendeu.
O garoto assobiou forte e seu Arkas apareceu,
correndo como o vento, o cavalo mau parou e o garoto pulou em sua sela, e saiu
pelo arco de entrada, em direção à Passagem, Arwen sua maluca, o que você pensa que está fazendo? Quer se matar ou
quer me matar? Não quero ser igual Jaoh’ndar, não quero ficar só, pensou
o garoto e saiu em disparada.
- Vamos, apressem-se! – bradou Merlon montando
Nofhlux – Jih’ndo, Guillar, nos acompanhe o mais rápido que puderem, pois
iremos cavalgar como o vento.
E saíram atrás de Arwen, pela noite escura, em
meio à neve densa que caía no Norte.
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