sexta-feira, 14 de março de 2014

Nove Dragões - A Lenda de Nogard

Capítulo 28 - Uma fuga inesperada.


   Já era noite. Nogard estava deitado em sua cama, olhando para o teto, pensando em tudo que havia acontecido nos últimos meses, parece que vivi uma vida toda dentro de meio ano, pensava o garoto. Realmente muitas coisas haviam acontecido em um curto espaço de tempo, Nogard sentia isso nos músculos de seu corpo, resultado do treinamento de Rikkar Cruzanorte. O que ele não sabia no entanto era que estava apenas começando a viver, e que ainda viriam muitas coisas mais. Decidiu que leria um pouco, pegou seu livro vermelho e o abriu, onde havia marcado uma página.

   Conseguimos destruí-los, isso é fantástico  essas feras são as coisas mais inacreditáveis e poderosas que já conheci em minha vida.
   Hoje decidi que apresentarei Mélis a todos, como uma Jeh’khgari que veio escondida nos navios.
   Ela me ensina coisas a todo momento, coisas sobre a natureza e sobre os Dragões, como são chamadas essas feras, coisas sobre a terra e o mar, sobre as nuvens e os ares, como essa terra é bela, ela disse que tudo é criação de Maenádúe, a Deusa dos Banedúim.
   Ela me beijou.
   Parece que estamos nos apaixonando cada vez mais, já não sei se toda essa destruição foi necessária, se todo esse caos foi realmente a melhor maneira de conquistar essas terras.
   Joh’han apareceu a mim novamente, em meus sonhos, ele me agradeceu por ter reconquistado um lugar que sempre foi seu, e me disse que eu deveria me casar com uma Jeh’khgari o quanto antes, disse que me vigia e me observa.
   Anunciei hoje, perante Dorean, que irei me casar, mas não poderia mentir para Mélis, nem para mim mesmo, me casarei com a bela Banedúim, já não posso mais viver sem ela, e ela sente o mesmo.
   Me encontrei com um Banedúim desgarrado hoje, não sei se foi Mélis quem me mudou mas definitivamente não sou o mesmo, não ataquei o velho, e ainda fiz amizade com ele, ele se chama Merlon, e me desejou sorte e saúde em meu casamento.
   Merlon agora vive em meio ao exército, como meu convidado, apesar do velho ser alto e ter uma longa barba ninguém desconfia de nada, creio que os Jakar de meu irmão se acomodaram com a proteção dos Dragões.
   Hoje me casei com Mélis, quando ficamos a sós não pude encará-la, apenas me desculpei por Artaroth, ela me consolou e disse que tudo já havia sido visto por um homem chamado Belindor, a invasão dos povos do Leste, a queda dos Banedúim, a morte de Artaroth, e também a dela, não posso imaginar tal destino, não saberei como viver sem minha amada Mélis.
   Meu velho livro vermelho, a tempos não escrevo em ti, hoje nasceram meus filhos, eles são três e nasceram no mesmo dia, infelizmente perdi minha amada.
  
   Nogard começava a ficar com pena de Jaoh’ndar. Havia invadido Andor e vencido a guerra, devido aos Dragões, mas começou a ficar contente apenas quando se viu ao lado de Mélis. Agora ele estava sozinho, sem sua amada, e com três crianças para criar, será que foi um erro invadir Andor? Se questionava Nogard.
   Então ele ouviu gritos, vindos de fora, uma algazarra de vozes graves. Nogard pulou da cama e pegou sua espada, saiu do quarto com olhos cegos e de espada em mãos. Mas no pátio superior não havia ninguém além de Jih’ndo, de pé e com os braços cruzados.
   Os gritos e berros vinham do pátio inferior, próximo à entrada da cidade. Nogard percebeu que eram homens incitando outros a lutar.
   - O que está havendo Jih’ndo? – perguntou o garoto, ainda assustado.
   Jih’ndo apontou para o pátio inferior.
   - Nada alarmante, apenas um nascimento em Pontas de Lança.
   No pátio inferior haviam muitos homens e mulheres. Vários homens formavam um círculo, e gritavam para os dois velhos que lutavam ali. Palavras que incitavam luta e força.
   - São dois... senhores, que lutam ali? – perguntou o garoto. Então percebeu que um homem segurava um bebe nos ares. Esse homem era Grum.
   Jih’ndo explicou.
   - Todos aqueles que nascem aqui devem ser sagrados Nascidos da Batalha, Nogard. E quando não ha guerras em andamento se promove uma batalha interna, entre os dois homens mais velhos da cidade. Acredita-se que Joh’han troca uma vida nova por uma vida já usada e desgastada.
   Os velhos continuavam lutando lá embaixo. Com espadas e escudos, pareciam muito velhos mas eram sérios e disciplinados. Nenhum golpe era desferido sem a certeza de que acertaria o escudo ou a carne do inimigo.
   - Troca?
   - É o costume Nogard. – disse Jih’ndo, seus cabelos estavam presos no alto da cabeça e as pontas voavam ao vento – Em Jeeh’kar é assim que se faz, é assim que se mantem um exército forte e jovem, e é assim que Joh’han ordena. Não podemos negar aquilo que nosso Deus diz, isso não se deve fazer nunca, definitivamente.
   Nogard se sentia incomodado em ver aqueles velhos lutando por suas vidas. Os homens gritavam como loucos por toda a volta, e o bebê não parava de chorar, enrolado em grossas peles.
   Então um dos anciões golpeou forte, um golpe de cima para baixo. O outro defendeu mas perdeu o equilíbrio, seu escudo foi jogado para trás e ele caiu sobre um joelho. Então o que estava de pé desferiu um golpe com o punho cerrado na boca do velho, que caiu sem reação, desmaiado. Mas ainda não tinha acabado, o outro chegou por cima e o agarrou pelos cabelos, expondo o pescoço do outro velho à lâmina de sua espada.
   Nogard estava impressionado, e zangado ao mesmo tempo, isso não é certo, ele já estava rendido e desacordado, pensou o garoto tocando o cabo de Luxímera.
   Jih’ndo percebeu.
   - Nem pense nisso Nogard, não será bom para ninguém, você não trará ele de volta, se nenhum deles morresse a criança não seria aceita, quando alguém nasce alguém tem de morrer Nogard, é assim em Pontas de Lança.
   Nogard se irritou e voltou para seu quarto. Se deitou e deixou sua ira passar.
   Algum tempo se passou. E alguém bateu à porta, algo raro naquele quarto.
   - Entre, está aberta. – disse o garoto.
   Jih’ndo pôs a cabeça para dentro, e depois entrou.
   - Está mais calmo? – perguntou Jih’ndo. Nogard acenou que sim – Então meu jovem amigo, como anda o seu treinamento?
   Nogard se apoiou nos cotovelos e se sentou na cama. Jih’ndo percebeu como a camisa estava ficando pequena para o garoto. Além de Nogard ficar mais alto a cada dia, agora também ficava mais forte. Seus músculos estavam se desenvolvendo rapidamente, e agora ele tinha braços grossos e ombros largos, além dos cabelos extremamente compridos.
   - Bem, Rikkar não é como os outros Ponta Lancenses, ele não pensa só em batalhas. – disse Nogard se referindo ao acontecimento no pátio inferior - Ele também me conta histórias, histórias de como surgiram as coisas e de como ele é bom guerreiro, algo que ele faz questão de me lembrar a cada dez segundos. Mas não é má pessoa. Sinto isso nele. – disse o garoto.
   - É verdade, Rikkar não é um homem mal, apenas devaneia demais em suas histórias, como você já deve ter percebido.
   Nogard assobiou longamente.
   - E como, sabe o que ele me disse ontem? Sobre como as Nove Ilhas surgiram.
   Jih’ndo sorriu.
   - Nem em mil anos eu adivinharia, minha imaginação não se compara à de Cruzanorte.
   - Ele me disse que havia matado uma criatura de Jeh’khgar, chamada Elefante, e que sua coxa era mil vezes maior que uma coxa de carneiro. Disse que a trouxe nas costas enquanto nadava até aqui, através do Mar da Névoa. Depois, quando chegou, assou a coxa do animal nas chamas do Dragão de Fogo, a comeu durante dois dias sem parar, e quando foi se livrar do osso atirou ele na borda Oeste de Andor. O impacto foi tão violento que nove pedaços se desprenderam da enorme massa de terra e formaram as Nove Ilhas.
   Nogard e Jih’ndo riram juntos. Então eles escutaram uma trombeta soar.
   Imediatamente correram para fora e lançaram seus olhares para a entrada de Pontas de Lanças, lá embaixo. E viram quando dois homens se aproximavam a cavalo.
   - Quem são? – disse Nogard tentando distinguir as figuras, mas estavam muito acima deles e nevava muito ali.
   Jih’ndo sabia quem eram, ele já sabia a algum tempo, suas moedas de ouro lhe traziam informações preciosas.
   - São Edaliom e Merlon, e eles vem para te levar. – disse o belo Jeh’khgari.
   Nogard se espantou.
   - Mas agora? Ainda não se passaram seis meses.
   - Nem tudo o que planejamos sai como esperamos jovem. Agora pegue seus pertences e nos encontre lá embaixo, vamos para Angur, Arwen já esta ciente. Mas não demore, eles devem ter muita pressa. – disse Jih’ndo e começou a descer.
   Nogard correu até seu quarto e pegou suas coisas, colocou tudo em um grande saco, o jogou nas costas e pegou Luxímera.
   Quando saiu da sala Rikkar o aguardava.
   - Ia embora sem agradecer Rikkar Cruzanorte? – perguntou o alto treinador. Nogard notou que Rikkar disse agradecer ao invés de se despedir. Mas não disse nada.
   - Muito obrigado Senhor, pelo seu tr...
   Rikkar abraçou o garoto e o suspendeu no ar, Nogard sentiu os músculos do peito do treinador o apertarem e retirarem-lhe o ar.
   - Sen... não con... respir...
   Só então Cruzanorte viu que estava sufocando o garoto.
   - Desculpe-me jovem, Rikkar Cruzanorte não pode controlar sua imensa força.
   Até aqui Rikkar, até no momento em que nos despedimos você vai se vangloriar? Pensou Nogard.
   Então Rikkar se abaixou sobre um joelho, e fitou Nogard nos olhos.
   - O treinamento ainda não terminou. Preste atenção a essa última lição. – disse Cruzanorte - Cuidado com o caminho que você vai trilhar. Não se assuste quando se deparar com uma estrada tortuosa e sem vida, às vezes esse é o melhor caminho. Se assuste quando ver belas estradas e belas paisagens, com muitas pessoas para lhe ajudar. Pois nem tudo aquilo que parece de fato é. Se lhe contei mentiras todos esses dias? Não se pode dizer. Mas uma coisa é certa, eu lhe disse as minhas verdades, e é com elas que vivo e é delas que tiro minhas felicidades. Na vida às vezes devemos contrariar tudo aquilo que está à nossa volta, tudo aquilo que os outros acham, para ir de acordo com tudo aquilo em que acreditamos ser certo. Você entendeu? Você escutou?
   - Sim.
   - E por último. Jamais diga que não será influenciado pelo mal, antes de se ver perante as Sombras. Até mesmo os mais puros de coração podem ser tomados de ódio e ira, e é nesses momentos que se é ludibriado.
   Nogard nunca viu Rikkar falar tão sério, o garoto engoliu seco e assentiu.
   - Sim, senhor. – respondeu.
   Rikkar se levantou e bagunçou os cabelos do seu aluno.
   - Então vá e nunca se esqueça quem você é. – disse por fim Rikkar, e seguiu seu caminho em direção à forja.
   Nogard ficou ali, parado, durante alguns instantes. Pensando em coisas que só ele sabia, coisas sobre Jaoh’ndar, sobre Mélis e sobre Arwen.
   Então resolveu descer. E quem ele viu o encheu de alegria.
   - Merlon! – gritou o garoto, jogando o saco de lado e correndo para os braços do velho ferreiro.
   Grum cuspiu de lado.
   Mas Merlon sorriu, e seu sorriso era bondoso e fraterno, meu garoto, como você cresceu, pensou o velho. E eles se abraçaram.
   - Como você está meu amigo? – perguntou Merlon
   - Estou ótimo, mas agora estou melhor, por onde você andou?
   Merlon se levantou.
   - É uma longa história, eu lhe contarei no caminho para Angur, sua mãe o espera.
   O garoto olhou para todos ali.
   - Ela está bem?
   - Sim, ela sim, mas outra pessoa está muito doente e deseja lhe ver. – disse Merlon. Então apresentou Edaliom, que ainda estava em seu cavalo azulado – Creio que já conhece Edaliom.
   - Nogard, você cresceu depressa, creio que o treinamento foi de bom proveito, sinto muito interrompermos, mas é necessário. – disse Edaliom e fez uma reverencia.
   - Sim senhor, confio em Merlon, vocês devem ter um bom motivo. – disse Nogard.
   Então veio Guillar, correndo desajeitadamente, com seu saco sujo nas costas e bebendo de uma garrafa qualquer. Sua barba estava completamente vermelha, pois devido à sua corrida derramava mais vinho nela do que bebia de fato.
   - Ufa, quase me atrasei. – disse Guillar, e riu como apenas ele ria.
   Merlon lançou-lhe um olhar de suas densas sobrancelhas que fez o bardo ficar branco como a neve, mais um, será que aquela caverna maldita esta vazia a essa altura? Pensou Merlon.
   - O quê, em nome de todas as criaturas desse mundo e de qualquer outro, você está fazendo aqui, Guillar? Perguntou Merlon.
   Todos ficaram quietos. Merlon parecia realmente bravo e irritado.
   - Cantando? – disse Guillar.
   Então Merlon o olhou no fundo dos olhos.
   Guillar sorriu como um velhinho bondoso e ofereceu um gole ao velho General.
   Merlon segurou um sorriso e Nogard riu abertamente.
   - Iremos conversar no momento certo, Senhor Bardo Bêbado. Vamos Nogard,chame seu Arkas, precisamos ir o quant...
   - Senhores, me perdoem a intromissão. – uma mulher se apresentou, era uma senhora muito velha. Nogard a reconheceu, sempre a via entrando e saindo de onde ficavam as mulheres e garotas.
   - O que houve Sira? – perguntou Jih’ndo.
   - A garota... ela... não foi minha culpa... ela é impossível...
   - Ora desembuche de uma vez por todas mulher. – disse Grum.  
   - Ela fugiu! – disse a mulher entre lágrimas – Ela pegou um cavalo, e uma espada que ela tinha escondido de nós e fugiu.
   Merlon havia chegado pelo único caminho para a cidade, e não viu Arwen em nenhum momento. O General pensou em perguntar se fazia muito tempo, mas Nogard o surpreendeu.
   O garoto assobiou forte e seu Arkas apareceu, correndo como o vento, o cavalo mau parou e o garoto pulou em sua sela, e saiu pelo arco de entrada, em direção à Passagem, Arwen sua maluca, o que você pensa que está fazendo? Quer se matar ou quer me matar? Não quero ser igual Jaoh’ndar, não quero ficar só, pensou o garoto e saiu em disparada.
   - Vamos, apressem-se! – bradou Merlon montando Nofhlux – Jih’ndo, Guillar, nos acompanhe o mais rápido que puderem, pois iremos cavalgar como o vento.

   E saíram atrás de Arwen, pela noite escura, em meio à neve densa que caía no Norte.



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