Capítulo 29 - Lutando Contra o Medo
Fuja,
lute contra seusss medosss, só osss covardesss tem medo, ela ouvia em
sua cabeça.
Arwen já estava chegando no inicio da Passagem
das Montanhas. A garota estava vestida com roupas de menino. Longas calças de couro,
e um colete surrado, de pano, mas por cima dele ela carregava sua capa branca
de coelhos. Cavalgava rápido e sempre olhando para trás, sabia que se alguém
viesse em seu encalço não poderia fazer o que pretendia.
Assim que ela saiu de Pontas de Lança viu dois
homens se aproximando, eram Merlon e Edaliom. Arwen os reconheceu e temeu que
eles descobrissem sua fuga, então levou o cavalo até uma fenda na montanha, na
beirada da estrada e ali ela ficou parada, para que eles não a vissem. Alguns
insetos nojentos moravam naquela fenda, e começaram a andar em seu ombro e em
seus cabelos, mas a garota não se mexeu, se eles tivessem me visto estaria tudo perdido, preciso encontrar algum
Bulk logo, preciso lutar contra esse medo, pensou Arwen.
Esse era todo o seu intuito desde que fugiu.
Encontrar Bulks e fazer com que eles experimentassem o gosto de Pugnatrix.
A neve batia forte em seu rosto mas ela não se
atrevia a parar. Estranhamente não viu nem ouviu os Fantasmas, parecia que eles
também não gostavam daquela nevasca sem fim. Pouco era visto à sua frente além
das paredes de pedra e rocha que rodeavam a Passagem. Seus cabelos estavam
congelando e suas mãos colavam nas rédeas, mas ela não podia parar.
Durante todo o tempo que Nogard treinava, Arwen
teve que praticar sozinha. Durante a noite sempre ia para o pátio escondida
treinar com espadas de madeira, que ela roubava dos armazéns. Não era como
treinar com Nogard, tudo era feito com muita imaginação e não era tão
divertido. Ficou com as mãos cheias de bolhas e calos, se arranhou e se cortou
tentando cortar um bloco de gelo, como ela havia visto Nogard fazer. Durante
incontáveis dias ela observou o garoto treinar com Rikkar, e durante a noite
sempre tentava repetir aquilo que ela via durante o dia. Mas as noites eram
extremamente frias e solitárias, nada a acompanhava além do boneco de madeira
do pátio e do Leão-da-neve nas montanhas. Ele sempre a assistia treinar, e
mesmo quando ela era descoberta por Sira, e não ia treinar podia vê-lo através
das janelas, sobre as montanhas, olhando para o pátio vazio.
Arwen treinou até não poder mais, tinha
terríveis pesadelos durante a noite, às vezes acordava e não conseguia dormir
mais, e sempre era um Bulk quem a assombrava.
Depois que Nogard lhe deu a espada, as coisas
mudaram. Arwen passou a dormir com a lâmina. Sempre que a tocava ela podia
sentir que Nogard estava olhando por ela, protegendo-a, e os pesadelos paravam.
Mas não havia mais volta, ela estava decidida a treinar para derrotar um Bulk,
só assim se veria em paz consigo mesma. Antes ela era movida pela diversão,
agora era movida pelo ódio e pela vergonha, vergonha de não ter feito nada na
Colina de Mélis, Nog lutou contra um
Bulk com um galho, com apenas um galho, e você não fez nada Arwen Venderim, pensava
a garota, mas é hora de mudar isso,
é hora de matar algum Bulk.
Ela já avistava a saída da Passagem,
apenas pela falta de paredes ao redor, ainda nevava muito e ela não podia ver
muita coisa, percebeu que algo estava esquentando em suas costas, então
retirou Pugnatrix da bainha e viu que a espada estava levemente
avermelhada. Arwen a tocou e ela queimava como brasas. Foi quando ouviu alguns
ruídos.
Vinham detrás de uma alta colina que havia ali,
ao sul da Passagem.
São
elesss, vamosss, não perca tempo, esssa é sua chance.
A garota desceu de seu cavalo, pegou sua
espada e se esgueirou como um caçador pela neve. Subiu a colina com pés
silenciosos, Pugnatrix estava tão quente agora que derretia o gelo onde tocava,
a jovem escutou com atenção. Percebeu então que eram vozes, vozes rudes e
zangadas.
- O que vamos fazer aqui? Ficar indo para lá e
para cá a noite toda? – perguntou um dos Bulks que estava fazendo vigia – Esta
tão frio que mau posso sentir meus dedos.
- Não sei, apenas fique se movimentando, isso
ajuda a esquentar os ossos. – respondeu um segundo Bulk.
Arwen os viu e começou a tremer, eram dois
enormes Bulks, com cabelos negros e longos, armaduras quebradas e enferrujadas,
tentou segurar o cabo de Pugnatrix com firmeza mas sua mão tremia demais,
devido ao frio e ao medo. Então um deles parou de repente.
- Espere. – disse para o outro. E farejou o ar.
Foi farejando e se virando para a colina onde Arwen estava. A garota se
assustou e tropeçou. Lançando um enorme bloco de gelo de cima da colina. O
bloco desceu rolando entre as árvores e foi ganhando tamanho e peso. Um dos
Bulks saltou para o lado mas o outro não foi tão rápido e foi atropelado. Então
o Bulk que escapou a viu, e seu olhos estavam cheios de fúria pela morte do
companheiro – Prepare-se para virar comida de Warg, menina. – disse o Bulk e
começou a correr colina acima, seus cabelos dançavam ao vento e seus dentes
eram amarelados e estavam sujos, de algo que Arwen não quis nem imaginar.
Então a garota desatou sua capa, o enorme
tecido de coelhos saiu voando pelos ares. Agora não havia mais volta, segurou o
cabo da espada com ambas as mãos e fechou seus olhos, e foi como se mil sóis se
acendessem em seu peito. Foi tomada por uma coragem tão grande que sequer esperou
o Bulk no topo da colina, desceu em disparada, gritando e correndo ao encontro
da enorme criatura.
O Bulk se surpreendeu com a tolice da garota e
desembainhou sua lâmina negra, Arwen já estava próximo quando o Bulk golpeou a
garota, tentando corta-la ao meio, como se fosse uma melancia. Mas Arwen havia
treinado, e tinha uma lâmina como nenhuma outra, vamos Nog, vamos acabar com esse monstro.
Arwen aparou o ataque do Bulk e golpeou
seu braço, antes mesmo que ele pudesse ter se recuperado do golpe bloqueado. Um
braço negro caiu ao chão e sangue escuro sujou a neve. Onde a espada cortou
começou uma pequena chama, na altura do ombro do monstro. O Bulk se virou para
a garota como se não estivesse sentindo nada. E a agarrou com o braço bom,
segurou-a pelo pescoço e a ergueu no ar. A encarou e deu um enorme rugido em
sua face, e seu bafo era terrivelmente fedorento.
- Sua monstrinha, prepares...
O golpe de Arwen o silenciou. A cabeça do Bulk
desceu a colina rolando, pegando fogo e jorrando sangue negro, marcando uma
trilha de neve enegrecida. A garota caiu no chão e se levantou imediatamente.
- Eu já estou preparada. – disse Arwen – E
ainda tenho minha cabeça, ao contrário de você. - Então se sentou na neve,
respirou fundo e pensou no que tinha acabado de fazer, consegui, matei um Bulk, agora não tenho mais medos, nada mais
vai me impedir de se tornar um Cavaleiro, espere só até Nogard ficar sabendo
disso, pensou Arwen, e sorriu de felicidade, como a tempos não sorria.
Então se levantou e começou a subir a colina.
- Onde pensa que vai, assassina da noite? – uma
voz veio lá de baixo, dos pés da colina. Arwen se virou e viu ele, Khar ro, com
seu elmo rachado na cabeça. Estava cercado de muitos Bulks e Wargs, e segurava
a cabeça que Arwen havia cortado em uma das mãos.
Arwen olhou para seu cavalo, e pensou em correr
até ele, mas estava muito longe e eles a alcançariam em seus Wargs. Além disso
ela viveria mais uma vez para se lembrar da vergonha de fugir. Arwen então
encarou os Bulks e sorriu, um sorriso que não demonstrava medo.
- Vim aqui matar um Bulk esta noite – disse
Arwen -, mas acho que posso matar mais alguns.
Os Bulks e os Wargs rugiram perante a
provocação da garota.
Khar ro não perdeu tempo. Estava ali exatamente
por ela.
- Peguem-na.
Alguns dos Bulks começaram a subir a colina,
seus Wargs iam na frente como cães raivosos. Arwen firmou os pés na neve e
esperou. O primeiro ataque foi de um Warg, corria muito e deu um enorme salto
na direção da garota, Arwen apenas se abaixou e golpeou com Pugnatrix, um golpe
em arco para cima. A espada cortou o Warg como se ele fosse feito de mel, e o
incendiou no mesmo instante.
Mais uma vez os Bulks rugiram de raiva.
Dois Wargs passaram por ela, pelas laterais da
colina, afim de atacá-la pela retaguarda. Um outro saltou como havia saltado o
primeiro e teve um fim semelhante, cortado ao meio e incendiado por Pugnatrix.
Os dois Wargs vieram por trás da garota, Arwen
se virou e esperou, um deles saltou como os dois primeiros, sabia que faria esse movimento, pensou
a garota cheia de si.
E golpeou, mas para sua infelicidade o quarto
não saltou, tropeçou em uma raiz e veio deslizando como um trenó, um terrível
trenó com dentes e garras. Antes que Arwen pudesse baixar a espada ele arranhou
a perna da garota. Arwen se desequilibrou e sentiu uma dor terrível em seu
tornozelo. Desceu rolando pela colina e parou lá embaixo. Se levantou ainda
atordoada e se viu cercada de Bulks. Seu tornozelo doía muito e ela estava
completamente dolorida da queda.
- Se afastem, seus monstros. – disse a garota
girando a lâmina de um lado para o outro.
Foi ai que ela surgiu, vinda não se sabe de
onde. Vinha voando como se fosse um belo pássaro, suas penas eram negras e ela
não fazia som algum.
A flecha penetrou em seu ombro direito e ela
soltou a lâmina. Pensou em pegar a espada de volta mas outra flecha veio voando
e acertou sua coxa.
Arwen deu um grito de dor, muito agudo e
repentino, como se estivesse segurando o grito desde a primeira flechada. Caiu
em meio à neve, muito sangue saía de suas feridas. Então a garota começou a
chorar.
Uma enorme bota negra, suja de lama e neve,
pisou em seu peito.
- Não posso matá-la, ele a quer viva – disse
Khar ro -, mas acho que se arrancar seus braços você ainda vai sobreviver, vou
corta-los e dar para meus cães.
Então o Bulk fez uma careta e ergueu sua lâmina
com ambas as mãos.
Nesse momento um Bulk que estava atrás de Khar
ro pôde ver através do buraco que o Bulk tinha no peito, e ele viu um enorme cavalo
vermelho se aproximando como um relâmpago. Era Arkas e em sua sela vinha
Nogard, o Príncipe de Andor.
Tão rápido quanto os olhos podem ver, Arkas se
atirou contra Khar ro e o derrubou ao solo, Nogard desmontou e desembainhou sua
lâmina, e espada sibilou enquanto saía da bainha. Ele tinha fúria em seus
olhos, e ver Arwen no estado em que a garota se apresentava só o deixou mais
irado ainda.
- Você não pode fazer nada moleque, Adarom a
quer, e fará dela a rainha de Dorean, ela será a esposa do Falso Rei. – disse
Khar ro.
Nogard apenas olhou para o Bulk com uma
sobrancelha erguida, seus cabelos negros voavam na nevasca.
- Só por cima do meu cadáver. – disse o garoto
e se atirou na direção do Bulk.
Khar ro golpeou com todas as suas forças, mas
Nogard aparou o golpe com a espada em apenas uma das mãos, com a outra ele
segurou o pescoço do Bulk e arrancou sua garganta, com as mãos nuas. Khar ro
caiu mais uma vez, sem vida. Nogard se abaixou e pegou sua lâmina negra. Todos
os outros Bulks se entreolharam, e atacaram de uma só vez.
Como em uma dança da morte Nogard se defendia
dos muitos ataques que vinham em sua direção. Eles eram muitos e seus Wargs
davam saltos e atacavam as pernas do garoto, de maneira sorrateira e desleal.
Nogard se defendia e atacava com as duas lâminas. Começou a ser pressionado,
cada vez que matava um Bulk outro tomava seu lugar. O garoto começou a ser
empurrado para a colina novamente. Arkas mordia e escoiceava alguns Bulks aos
redor de Arwen.
Então Merlon e Edaliom surgiram sobre a colina.
Edaliom ergueu o seu cajado e a noite se tornou dia, um brilho cegante que fez
com que todos os Bulks se perdessem na luz. Então Merlon avançou com sua
Mitrhiilden.
- Triindael! – bradou o General, chamando sua
Deusa na Língua Banedúim. E golpeou as feras negras.
Bulks caíam por toda a parte e Wargs jaziam no
solo agonizando. Nogard lutava bravamente lado a lado com Merlon, e Edaliom
tentava ir de encontro a Arwen para curá-la de suas feridas.
Jih’ndo e Guillar chegaram.
A noite estava fria e nebulosa, muitas nuvens
passavam lentamente pelos céus do Norte, e ali nevava muito. Talvez se fosse
dia eles tivessem visto suas Sombras e seu rastro, mas não viram, não ali, na
noite fria. Essa era a desvantagem daquela fera, quando atacava durante o dia
podia-se ver seu rastro por todo o céu, uma estrada de Sombras que riscava os
ares.
Nogard sentiu como se sua cabeça estivesse se
enchendo de nuvens e ventos, parecia que era capaz de voar, que era capaz de
tocar as nuvens. Então se lembrou daquele sentimento e se virou para Arwen, em
desespero. Mas já era tarde demais.
- Nog! – gritou Arwen, sem forças.
Lutheraxes descia sobre eles, como uma enorme
montanha de sombras. Vinha com suas asas contraídas, ganhando uma velocidade incrível.
A poucos metros do solo abriu suas enormes asas negras, e uma nuvem de gelo e
sombras foi lançada sobre todos. O Dragão desceu entre o grupo e Arwen. Com um
golpe de sua calda ele atirou Arkas em uma árvore. Se virou para o grupo,
sibilou como uma serpente e empinou, suas mandíbulas se encheram de fogo negro.
Jih’ndo e Guillar se protegeram atrás das árvores da colina, Edaliom bateu seu
cajado no solo e um círculo de ar se formou ao redor do Maégi e de Merlon. Mas
Lutheraxes não pôde cuspir, pois Nogard estava à frente do grupo e ele não
conseguia feri-lo. Então ele engoliu suas chamas. Mostrou os dentes e deu um
rugido que traduzia toda sua frustração. Todos taparam os ouvidos e caíram no
solo, tamanho era o som de sua ira. O Dragão caiu sobre as patas dianteiras
novamente e pegou a garota delicadamente com uma das garras. Ele a olhou
durante um momento, e deu uma gargalhada aterrorizante. Finalmente olhou para
Nogard.
- Minha vez de te roubar! Ladrão! – bradou em
sua voz absurdamente grave e poderosa, e alçou voo.
-Não! – gritou Nogard em desespero.
O garoto tentou correr mas Edaliom o segurou.
- Não, você não entende, não pode atacá-lo. –
disse o Alto-Maégi.
Arwen ia subindo com os braços estendidos, como
se fosse alcançar Nogard e dar-lhe um abraço.Socorro, Nogard pôde ler nos lábios de sua amiga. Então ele se
virou e atirou o velho Maégi ao solo. Correu e correu, correu o mais rápido que
pôde, até que suas pernas estivessem moles e sem forças. Mas percebeu que não
alcançaria o Dragão, nem que estivesse em Arkas, então tentou atirar sua
espada, mas ela não chegou nem ao menos perto de Lutheraxes, que já sumia de
vista.
Nogard caiu de joelhos, derrotado.
- Não! Não! Não, não Arwen, não ela. – disse o
garoto em desespero – Não posso perde-la.
Muitos corpos de Bulks e Wargs jaziam ali.
Guillar ajudou Edaliom a se levantar. A nevasca parou de repente, como se os
céus estivessem em silêncio. Nogard ainda estava ali, parado de joelhos,
olhando para as mãos vazias.
Merlon se aproximou e pôs a mão no ombro do
garoto.
- Nogard, levante-se, ainda não acabou.
- Não posso, esta tudo terminado.
- Não desista. – disse Merlon.
- O que somos Merlon? – perguntou o garoto, e
respondeu em seguida – Somos flocos de neve, que surgem e desaparecem como um
sopro, somos frágeis e insignificantes, achamos que podemos proteger aqueles
que amamos mas não é assim, perdi aquilo que me era mais precioso esta noite,
no fim somos apenas flocos de neve. Pequenos e frágeis flocos de neve.
- Sozinhos somos exatamente isso, flocos de
neve, mas juntos podemos formar a maior montanha de gelo que o mundo já viu. –
disse Merlon – Não desista, ou eu também desistirei. Podemos descobrir para
onde ele a levou, e podemos ir em seu encalço.
Nogard tinha os olhos completamente inundados
de lágrimas, mas o garoto ainda se recusava a chorar, ele nunca chorava.
Então ele se levantou. Com neve em seus
cabelos.
- Eu sei para onde ele vai levá-la. Esse Bulk
nojento disse que ela será a Rainha do Falso Rei, esse Dragão vai levá-la para
o Falso Reino. – disse Nogard, cabisbaixo.
Jih’ndo se aproximou com Guillar e Edaliom.
Merlon levantou a cabeça do garoto e olhou no fundo dos seus olhos.
- Então todos nós sabemos para onde ir, meu
amigo, e é para lá que nós vamos, mas precisaremos de você.
Nogard olhou para seus amigos, Arkas se
aproximou mancando e encostou o focinho nos cabelos do garoto.
- Então é para lá que vamos, e eu juro, por
tudo que há de bom ou ruim nesse mundo. Eu juro por Dragões e Wargs, por Bulks
e homens. Eu juro por Banedúim, Andorino, Jakar, Jeh’khgari ou qualquer outro
ser que exista, salvarei Arwen, nem que para isso tenho que destruir todo um
Reino!
Fim da Primeira Parte
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